Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Subjetivida<strong>de</strong>, história e genealogia em João Cabral<br />
cabralina reclama também uma atualização da matéria que elabora, conduzindo<br />
assim sujeito e história para a mesma dimensão e tornando-os equivalentes<br />
expressivos do autor, <strong>de</strong>sdobrados ao longo da obra. Daí <strong>de</strong>corre que sua persona<br />
literária configurada num primeiro momento não necessariamente tem <strong>de</strong><br />
se manter em momentos seguintes, como já foi observado. 12<br />
Para o autor, muito vem a calhar a narrativa histórica pernambucana, que<br />
se fazduplamente objetiva: por possuir a objetivida<strong>de</strong> própria da disciplina e<br />
porque tal disciplina, quando particularizada pelo adjetivo mencionado, se<br />
propõe a captar os bens culturais legados como <strong>de</strong>spojos <strong>de</strong> sua família ou<br />
do seu tempo. Incorporar a história é antes <strong>de</strong> tudo, no seu caso, uma maneira<br />
sofisticada <strong>de</strong> afirmar-se, porque assim se inscreve num grupo específico,<br />
para o qual o passado se apresenta como condição da existência familiar pregressa,<br />
que se <strong>de</strong>sdobra no presente. Além do mais, tal existência só se configura<br />
<strong>de</strong>vidamente quando imbricada num arcabouço formal, que se coloca<br />
como condição irrevogável à sua expressão. Só quando entrelaçamos aquele<br />
complexo formal a condicionamentos históricos é que nos aproximamos <strong>de</strong><br />
algo como um estilo, porque visualizável através <strong>de</strong> um sujeito que se faz laboriosamente.<br />
Sendo o sujeito poético uma entida<strong>de</strong> conotativa, por excelência, que inci<strong>de</strong><br />
frontalmente na particularida<strong>de</strong> <strong>de</strong>notativa da história tragada pelo texto, estas<br />
duas dimensões presentes na poesia se tornam, por sua vez, intercambiáveis<br />
pela particularida<strong>de</strong> que as enlaça, sem ferir o que ali haja <strong>de</strong> porosida<strong>de</strong> histórica<br />
ou <strong>de</strong> artifício retórico. Uma ou outra dimensão do texto sobreviveria isoladamente<br />
sem que, com isso, houvesse prejuízo da compreensão do que viesse<br />
a ser a história em curso ou o entendimento <strong>de</strong> poesia em voga. Tal separação<br />
12 “A primeira pessoa gramatical está obsessivamente assumida, mas no modo paradoxal <strong>de</strong> quem o<br />
faz para <strong>de</strong>clarar sua ausência. [...] Nossa poesia mo<strong>de</strong>rna não conheceu afirmação <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong><br />
íntegra ou estabilizada: tem vivido sobretudo nas perspectivas <strong>de</strong> multiplicação e do contraditório.<br />
Sem fugir à regra, João Cabral – o estreante – afronta a questão da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> lírica com um peso<br />
máximo <strong>de</strong> recusa; mas, nas sucessivas <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> ausência, o sujeito em primeira pessoa não faz<br />
mais do que atualizar o paradoxo. VILAÇA, Alci<strong>de</strong>s. “Expansão e limite na poesia <strong>de</strong> João Cabral”.<br />
In: BOSI, Alfredo (Org.) Leitura <strong>de</strong> Poesia. São Paulo: Ática, 1996. pp.145-146.<br />
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