Prosa - Academia Brasileira de Letras

Elvia Bezerra
Aconteceu que esses episódios, de tão excepcionais, ganharam versões diversas,
algumas acrescidas de boa dose de exagero, e acabaram por envolver o
personagem num folclore de tal forma divertido que o lado prodigioso de sua
personalidade se diluía. Só agora, depois de pouco mais de meio século da sua
morte, ocorrida em 9 de setembro de 1955 – “o dia do nascimento é de nossos
pais, é de todo o mundo, o dia da morte é que é só nosso”, dizia ele –, surge
a biografia escrita por Humberto Werneck sob o título de O Santo Sujo: a Vida de
Jayme Ovalle, belamente publicada pela editora Cosac Naify.
Seguidor do New Journalism, no Brasil traduzido por jornalismo literário e
que tem no americano Gay Talese um de seus fundadores, Humberto Werneck,
jornalista e escritor mineiro há muitos anos radicado em São Paulo, primeiramente
saiu em busca das informações que pudessem tirar seu personagem
do mundo lendário em que vivia: “[...] figura mitológica de quem tão
pouco se sabe, Jayme Ovalle ficaria sendo uma luzrefletida nos outros. Buscar
a fonte dessa luzfoi o que me propus fazer neste livro” – declara o autor de O
Santo Sujo.
Tarefa nada fácil, sabendo-se que Ovalle nasceu em Belém do Pará, no dia 6
de agosto de 1894, morou no Rio de Janeiro, em Londres e em Nova York, cidades
onde exerceu com notável competência a função de douanier, e nas quais
seu biógrafo não regateou entrevistas, consultas a arquivos, catálogos, endereços
e tudo o mais que lhe pudesse fornecer elementos para conferir verossimilhança
ao biografado.
Não terá sido apenas uma vezque se plantou na frente do Imperator, edifício
em que Ovalle morou na Av. Atlântica, para sentir o entorno e experimentar
os ângulos possíveis de onde seu personagem via o cenário. Para isso contava
com a suave presença de Maria Ângela Botelho, amiga mineira radicada no
Rio, que o acompanhou também em outras buscas. De volta a São Paulo,
quantas vezes, por telefone, contou-me sobre as descobertas que fazia, os fragmentos
que coletava, as pistas de que não abdicava.
Depois de quase 18 anos de trabalho, com interrupções que antes serviram
para depurá-lo que para desaquecê-lo (sim, porque mesmo quando parado não
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