Tradução de Ana Faria e Marta Couceiro
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<strong>de</strong> te explicar tudo? Uma barreira <strong>de</strong> espíritos, palerma, funciona, porque<br />
pren<strong>de</strong> as almas dos mortos para assustar os vivos, mas na Véspera do Samain<br />
as almas dos mortos são libertadas para vaguearem e, por isso, não<br />
po<strong>de</strong>m ser aprisionadas. Na Véspera do Samain, uma barreira <strong>de</strong> espíritos<br />
é quase tão útil para o mundo como a tua massa cinzenta.<br />
Acatei calmamente a sua repreensão.<br />
— Só faço votos para que não haja nuvens — afi rmei, tentando acalmá-lo.<br />
— Nuvens? — <strong>de</strong>safi ou-me Merlim. — Porque haviam as nuvens <strong>de</strong><br />
me preocupar? Ah, compreendo! Esse tolo do Gawain falou contigo e ele<br />
percebe tudo ao contrário. Se estiver nublado, Derfel, ainda assim os Deuses<br />
verão o nosso sinal, porque a sua visão, ao contrário da nossa, não é<br />
toldada pelas nuvens; mas se estiver muito nublado, então é provável que<br />
chova — fez com que a sua voz soasse semelhante à <strong>de</strong> um homem que<br />
explica algo muito simples a uma criancinha — e a chuva intensa apagará<br />
todas as gran<strong>de</strong>s fogueiras. Pronto, isto era <strong>de</strong> facto difícil para tu conseguires<br />
<strong>de</strong>scobrir sozinho, não era? — Olhou para mim furioso, <strong>de</strong>pois virou-se<br />
e fi tou os círculos <strong>de</strong> lenha. Apoiou-se no seu bastão preto, cismando na<br />
enorme coisa que fi zera no cume <strong>de</strong> Mai Dun. Permaneceu em silêncio<br />
durante longo tempo, <strong>de</strong>pois, <strong>de</strong> repente, encolheu os ombros.<br />
— Já alguma vez pensaste — perguntou-me — o que po<strong>de</strong>ria ter acontecido<br />
se os Cristãos tivessem conseguido colocar Lancelote no trono? — A<br />
sua ira tinha <strong>de</strong>saparecido e fora substituída pela melancolia.<br />
— Não, senhor — respondi.<br />
— O seu ano 500 teria chegado e todos eles teriam esperado pela vinda<br />
gloriosa daquele seu absurdo Deus crucifi cado. — Merlim estivera a<br />
olhar para os círculos enquanto falava, mas <strong>de</strong>pois virou-se para olhar para<br />
mim. — E se ele nunca tivesse vindo? — perguntou ele perplexo. — Supõe<br />
que os Cristãos estavam todos prontos, todos com as suas melhores capas,<br />
todos lavados e limpos e em oração, e <strong>de</strong>pois nada acontecia?<br />
— Nesse caso, no ano 501 — afi rmei — não haveria Cristãos.<br />
Merlim abanou a cabeça.<br />
— Tenho dúvidas. É a função dos sacerdotes explicarem o inexplicável.<br />
Homens como Sansum teriam inventado uma razão, e as pessoas teriam<br />
acreditado neles, porque elas querem acreditar <strong>de</strong>sesperadamente. Os<br />
povos não <strong>de</strong>sistem da esperança por causa da <strong>de</strong>silusão, Derfel, eles apenas<br />
redobram a sua esperança. Que tolos somos todos nós.<br />
— Então estais com receio — indaguei, sentindo um súbito laivo <strong>de</strong><br />
pena <strong>de</strong>le — que nada aconteça no Samain?<br />
— Claro que estou com receio, seu idiota. Nimue não está. — Olhou<br />
<strong>de</strong> soslaio para Nimue, que nos espiava com um olhar taciturno. — Tu estás<br />
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