Tradução de Ana Faria e Marta Couceiro
Tradução de Ana Faria e Marta Couceiro
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em farrapos. Agora os mortos passavam em gran<strong>de</strong> número a ponte das<br />
espadas e estavam ali entre nós, embora não os conseguíssemos ver nem<br />
ouvir, mas eles estavam ali, no palácio, nas ruas, em todos os vales, cida<strong>de</strong>s<br />
e casas da Bretanha, enquanto nos campos <strong>de</strong> batalha, on<strong>de</strong> tantas almas<br />
haviam sido arrancadas aos seus corpos terrenos, os mortos vagueavam tão<br />
numerosos como estorninhos. Dian estava sob as árvores da casa senhorial<br />
<strong>de</strong> Ermid, e os corpos-sombra ainda afl uíam pela ponte das espadas para<br />
encher a ilha da Bretanha. Pensei que, também um dia, eu voltaria nesta<br />
noite para ver as minhas fi lhas e os seus fi lhos e os fi lhos dos seus fi lhos.<br />
Pensei que para todo o sempre a minha alma vaguearia pela terra em todas<br />
as Vésperas do Samain.<br />
O vento acalmou. A Lua estava <strong>de</strong> novo escondida por um enorme<br />
aglomerado <strong>de</strong> nuvens suspensas por cima <strong>de</strong> Armórica, mas por cima <strong>de</strong><br />
nós os céus estavam mais limpos. As estrelas, on<strong>de</strong> viviam os Deuses, cintilavam<br />
no vazio. Culhwch regressara ao palácio e juntara-se a nós à janela,<br />
on<strong>de</strong> nos apinhávamos para observar a noite. Gwydre havia regressado da<br />
cida<strong>de</strong>, embora pouco <strong>de</strong>pois se tivesse aborrecido <strong>de</strong> olhar para a escuridão<br />
húmida e tivesse ido ter com os seus amigos entre alguns lanceiros do<br />
palácio.<br />
— Quando começam os ritos? — perguntou Artur.<br />
— Já não faltará muito — avisei-o. — As fogueiras <strong>de</strong>verão ar<strong>de</strong>r durante<br />
seis horas antes <strong>de</strong> a cerimónia ter início.<br />
— Como conta Merlim as horas? — perguntou Cuneglas.<br />
— Na sua cabeça, meu Rei e Senhor — respondi-lhe.<br />
Os mortos passavam suavemente por entre nós. O vento parara e a<br />
quietu<strong>de</strong> fez com que os cães uivassem na cida<strong>de</strong>. As estrelas, emolduradas<br />
pelas nuvens com recortes <strong>de</strong> prata, pareciam forçadamente brilhantes.<br />
E então, muito <strong>de</strong> repente, da escuridão no interior da noite, do cume<br />
fortifi cado <strong>de</strong> Mai Dun, ateou-se a primeira fogueira, iniciando-se a Evocação<br />
dos Deuses.<br />
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