Tradução de Ana Faria e Marta Couceiro
Tradução de Ana Faria e Marta Couceiro
Tradução de Ana Faria e Marta Couceiro
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
— Irei vê-las, sim.<br />
— E Gwydre — perguntou ela — vais trazê-lo?<br />
— Sim, ele quer vir, mas primeiro pedirei autorização ao seu pai.<br />
— Diz a Artur que <strong>de</strong>via <strong>de</strong>ixá-lo vir. Todas as crianças da Bretanha<br />
<strong>de</strong>viam testemunhar a vinda dos Deuses. Será uma visão que jamais se conseguirá<br />
esquecer, Derfel.<br />
— Então, sempre se realiza? — perguntei. — Apesar dos erros <strong>de</strong> Merlim?<br />
— Realiza-se — afi rmou Nimue vingativa — apesar <strong>de</strong> Merlim. Realiza-se,<br />
porque eu farei com que se realize. Eu darei àquele velho tonto o que<br />
ele preten<strong>de</strong>, quer ele goste ou não. — Ela <strong>de</strong>teve-se, virou-se e agarrou-me<br />
na mão esquerda, olhando fi xamente com o seu único olho para a cicatriz<br />
marcada na sua palma. Aquela cicatriz obrigava-me por juramento a<br />
obe<strong>de</strong>cer-lhe e eu pressenti que ela estava prestes a fazer-me algum pedido;<br />
mas <strong>de</strong>pois um qualquer impulso <strong>de</strong> precaução <strong>de</strong>teve-a. Inspirou fundo,<br />
olhou-me fi xamente, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ixou cair a minha mão marcada com a cicatriz.<br />
— A partir daqui já sabes o caminho — disse ela num tom amargo,<br />
<strong>de</strong>pois afastou-se.<br />
Desci a colina. As pessoas ainda caminhavam penosamente com os<br />
seus fardos <strong>de</strong> lenha em direção ao cume <strong>de</strong> Mai Dun. Durante nove horas,<br />
dissera Gawain, as fogueiras teriam <strong>de</strong> ar<strong>de</strong>r. Nove horas para encher um<br />
céu com chamas e trazer os Deuses à terra. Ou talvez, se os ritos fossem<br />
feitos <strong>de</strong> maneira errada, as fogueiras nada trouxessem.<br />
E <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> três noites <strong>de</strong>scobriríamos qual <strong>de</strong>stas hipóteses se realizaria.<br />
Ceinwyn teria gostado <strong>de</strong> ir a Durnovária para testemunhar a Evocação<br />
dos Deuses, mas a Véspera do Samain é a noite em que os mortos<br />
caminham sobre a terra e ela queria ter a certeza que <strong>de</strong>ixávamos oferendas<br />
a Dian. Pensou que o local para as <strong>de</strong>ixar era on<strong>de</strong> Dian morrera, por isso<br />
levou as nossas outras duas fi lhas às ruínas da casa senhorial <strong>de</strong> Ermid e aí,<br />
por entre as cinzas da casa, colocou uma bilha <strong>de</strong> hidromel diluído, algum<br />
pão com manteiga e uma mão-cheia <strong>de</strong> avelãs cobertas com mel que Dian<br />
sempre adorara. As suas irmãs colocaram nas cinzas algumas nozes e ovos<br />
bem cozidos, <strong>de</strong>pois todas se abrigaram na cabana do guarda-fl orestal situada<br />
nas proximida<strong>de</strong>s e guardada pelos meus lanceiros. Elas não viram<br />
Dian, porque na Véspera do Samain os mortos nunca se expõem, mas<br />
ignorar a sua presença é um convite ao infortúnio. De manhã, disse-me<br />
Ceinwyn mais tar<strong>de</strong>, todos os alimentos haviam <strong>de</strong>saparecido e a bilha estava<br />
vazia.<br />
89