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José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)

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— Eu estive pensando seriamente. Você só tem aquela filha do Encantado,<br />

não é?<br />

— É.<br />

—Você mora sozinho naquela casa com as duas gaiolas <strong>de</strong> passarinho, não<br />

é?<br />

— É.<br />

— Você disse que não tem netos, não é?<br />

— É.<br />

— E você disse que gosta <strong>de</strong> mim, não é?<br />

— É.<br />

— Então porque você não vai lá em casa e não pe<strong>de</strong> para Papai me dar para<br />

você?<br />

Ele ficou tão emocionado que se sentou e me segurou o rosto com as duas<br />

mãos.<br />

— Tu gostarias <strong>de</strong> ser meu filhinho?<br />

— A gente não po<strong>de</strong> escolher o pai antes <strong>de</strong> nascer. Mas se pu<strong>de</strong>sse eu queria<br />

você.<br />

— Verda<strong>de</strong>, Pirralho?<br />

— Posso até jurar. Depois, eu seria uma pessoa a menos para comer. Eu<br />

prometo que não falo mais palavrões, nem bunda mesmo. Eu engraxo os seus<br />

sapatos, trato dos passarinhos na gaiola. Fico bonzinho <strong>de</strong> todo. Não vai haver<br />

melhor aluno na Escola. Faço tudo, tudo direitinho.<br />

Ele nem sabia o que respon<strong>de</strong>r.<br />

— Lá em casa todo mundo morre <strong>de</strong> alegria se eu for dado. Vai ser um<br />

alívio. Eu tenho uma irmã entre Glória e Antônio que foi dada pro Norte. Foi viver<br />

com uma prima, que é rica, para estudar e ser gente...<br />

O silêncio continuava e os seus olhos estavam cheios <strong>de</strong> lágrimas.<br />

— Se não quiserem dar, você me compra. Papai está sem dinheiro nenhum.<br />

Garanto que ele me ven<strong>de</strong>. Se pedir muito caro você po<strong>de</strong> me comprar a prestações,<br />

do jeito que se Jacob ven<strong>de</strong>...<br />

Como ele não respon<strong>de</strong>sse eu voltei à antiga posição e ele também.<br />

— Sabe, Portuga, se você não me quer, não faz mal. Eu não queria fazer<br />

você chorar...<br />

Ele alisou <strong>de</strong>moradamente os meus cabelos.<br />

— Não é isso, meu filho. Não é isso. A vida a gente não resolve assim <strong>de</strong><br />

uma só manobra. Mas eu vou te propor uma coisa. Não po<strong>de</strong>rei tirar-te dos teus<br />

pais nem da tua casa. Se bem que gostasse muito <strong>de</strong> o fazer. Isso não é direito. Mas<br />

<strong>de</strong> agora em diante, eu que gostava <strong>de</strong> ti como um filhinho, vou te tratar como se<br />

fosses mesmo o meu filho.<br />

Eu me ergui exultante.<br />

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