21.06.2013 Views

José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)

José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)

José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

— Pra que, Godóia? Pra todo mundo me bater muito? Pra todo mundo judiar<br />

<strong>de</strong> mim?...<br />

Ela pegou meu rosto entre os <strong>de</strong>dos e falou resoluta:<br />

— Olhe, Gum. Eu juro para você uma coisa. Quando você ficar bom,<br />

ninguém, ninguém, nem mesmo Deus, vai botar as mãos sobre você. Só se<br />

passarem antes sobre o meu cadáver. Você acredita?<br />

Fiz um hum afirmativo.<br />

— Que é que é cadáver?<br />

Pela primeira vez o rosto <strong>de</strong> Glória se iluminou <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> alegria. Deu<br />

uma risada, porque sabia que eu me interessando por palavras difíceis estava<br />

novamente querendo viver.<br />

— Cadáver é mesmo que morto, que <strong>de</strong>funto. Mas não falemos disso agora<br />

que não é conveniente.<br />

Também achei melhor, mas não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> pensar que ele já era cadáver<br />

há muitos dias. Glória continuava falando, prometendo coisas mas eu pensava<br />

agora nos dois passarinhos, o azulão e o canarinho. O que fariam com eles? Podia<br />

ser que morressem <strong>de</strong> tristeza como no caso do avinhado <strong>de</strong> Orlando Cabelo <strong>de</strong><br />

Fogo. Talvez abrissem a porta da gaiola e <strong>de</strong>ssem liberda<strong>de</strong> a eles. Mas isso seria o<br />

mesmo que a morte. Eles não sabiam mais voar. Ficavam bobinhos parados nos <strong>pé</strong>s<br />

<strong>de</strong> <strong>laranja</strong> até que a meninada acertasse neles com atira<strong>de</strong>iras.<br />

Quando Zico ficou sem dinheiro para conservar o viveiro <strong>de</strong> Tié-Sangue,<br />

abriu as portas e foi aquela malda<strong>de</strong>. Não escapou um da pontaria dos meninos...<br />

As coisas começaram a pegar um ritmo normal na casa. Já se ouvia barulho<br />

por todas as partes. Mamãe voltara a trabalhar.<br />

A ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> balanço retornou à sala on<strong>de</strong> sempre morara.<br />

Somente Glória permanecia no seu posto. Enquanto não me visse <strong>de</strong> <strong>pé</strong> não<br />

se arredava.<br />

— Toma essa canja, Gum. Jandira matou a galinha preta só para fazer essa<br />

canjinha para você. Olhe como está cheirosa.<br />

E soprava o calor da colher.<br />

“Se queres, faze como eu, molha o pão no café. Mas não faças barulho ao<br />

engolires. É feio.”<br />

— Ora, o que é isso, Gum? Não vai querer chorar agora porque mataram a<br />

galinha preta. Ela estava velha. Tão velha que não botava mais ovo...<br />

“Tanto fizeste que acabaste <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir on<strong>de</strong> eu moro”...<br />

— Eu sei que ela era a pantera negra do Jardim Zoológico, mas a gente<br />

compra outra pantera negra muito mais selvagem do que aquela.<br />

“Então, fujão, on<strong>de</strong> estiveste este tempo todo?”<br />

— Godóia, agora não. Se eu tomar eu vou começar a vomitar.<br />

— Se eu <strong>de</strong>r mais tar<strong>de</strong>, você toma?<br />

114

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!