José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
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ÚLTIMO CAPÍTULO DA PRIMEIRA PARTE<br />
Numa ca<strong>de</strong>ia eu hei <strong>de</strong> ver-te morrer<br />
A PRIMEIRA COISA e muito útil que a gente apren<strong>de</strong>ra na Escola, eram os<br />
dias da semana. E dono dos dias da semana, eu sabia que “ele” vinha na terça-feira.<br />
Depois <strong>de</strong>scobri também que ele uma terça-feira ia para as ruas do outro lado da<br />
Estação e na outra, vinha para o nosso lado.<br />
Foi por isso que nessa terça-feira eu gazeteei a aula. Nem queria que Totóca<br />
soubesse; senão teria que pagar bolas <strong>de</strong> gu<strong>de</strong> para ele não contar em casa. Como<br />
era cedo e ele <strong>de</strong>veria aparecer quando o relógio da igreja batesse nove horas, eu<br />
fui dar uma volta pelas ruas. Ruas sem perigo, é claro. Primeiro parei na Igreja e<br />
<strong>de</strong>i uma olhada nos santos. Sentia um certo medo <strong>de</strong> ver as imagens paradas, cheias<br />
<strong>de</strong> vela. As velas piscando faziam o santo piscar também. Não sabia ainda se era<br />
muito bom ser santo e ficar o tempo todo parado, parado.<br />
Dei uma volta pela sacristia e seu Zacarias estava tirando as velas velhas dos<br />
castiçais e colocando as novas. Juntava um bando <strong>de</strong> toquinho em cima da mesa.<br />
— Bom dia, seu Zacarias. Ele parou, colocou os óculos na ponta do nariz,<br />
fungou, <strong>de</strong>svirou-se e respon<strong>de</strong>u:<br />
— Bom dia, menino.<br />
— O senhor quer que eu aju<strong>de</strong>?<br />
<strong>Meu</strong>s olhos <strong>de</strong>voravam os toquinhos <strong>de</strong> vela.<br />
— Só se você quiser atrapalhar. Não foi pra aula hoje?<br />
— Fui. Mas a professora não veio. Ficou com dor <strong>de</strong> <strong>de</strong>nte.<br />
— Ah! Aí ele tornou a se <strong>de</strong>svirar e colocar os óculos na ponta do nariz.<br />
— Que ida<strong>de</strong> você tem menino?<br />
— Cinco. Não, seis. Seis não, cinco mesmo.<br />
— Afinal cinco ou seis?<br />
Pensei na Escola e menti.<br />
— Seis.<br />
— Pois com seis anos já está bom <strong>de</strong> começar o Catecismo.<br />
— E eu posso?<br />
— Por que não? É só vir toda quinta-feira às três horas da tar<strong>de</strong>. Quer vir?<br />
— Depen<strong>de</strong>. Se o senhor me <strong>de</strong>r os toquinhos <strong>de</strong> vela, eu venho.<br />
— Para que você quer toco <strong>de</strong> vela?<br />
O diabo já me cutucara uma coisa. Menti <strong>de</strong> novo.<br />
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