José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Chegou perto <strong>de</strong> mim e eu senti que era ainda bem pequeno. Menor do que<br />
eu pensava ainda.<br />
— Pois se eu vou ganhar... Mas agora eu tenho que fazer. Amanhã a gente se<br />
encontra lá.<br />
Voltei para casa e fiquei rondando Glória.<br />
— Que é, menino?<br />
— Você bem que podia levar a gente. Tem um caminhão que veio da cida<strong>de</strong><br />
entupidinho <strong>de</strong> brinquedo.<br />
— Ora, Zezé. Eu tenho um mundão <strong>de</strong> coisas pra fazer. Tenho que passar,<br />
ajudar Jandira a arrumar a mudança. Tenho que ver as panelas no fogo...<br />
— Vem uma porção <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>tes <strong>de</strong> Realengo.<br />
Além <strong>de</strong> colecionar pregando num ca<strong>de</strong>rno retratos <strong>de</strong> Rodolfo Valentino<br />
que ela chamava <strong>de</strong> Rudy, ela tinha mania <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>te.<br />
— On<strong>de</strong> você já viu, ca<strong>de</strong>te às oito horas da manhã? Quer me fazer <strong>de</strong> boba,<br />
garoto? Vai brincar, Zezé.<br />
Mas eu não fui.<br />
— Sabe, Godóia. Não é por mim, não. Eu prometi a Luís que levava ele lá.<br />
Ele é tão pequenininho. Criança nessa ida<strong>de</strong> só pensa no Natal.<br />
— Zezé, já disse que não vou. E isso é conversa: é você que está querendo ir.<br />
Tem muito tempo para você ganhar Natal na vida...<br />
— E se eu morrer? Morri sem ter ganhado esse Natal.<br />
— Você não vai morrer tão cedo, meu velho. Vai viver duas vezes mais do<br />
que Tio Edmundo ou seu Benedito. Agora, chega disso. Vá brincar.<br />
Mas não fui. Fiz <strong>de</strong> um jeito que ela toda hora “esbarrasse” comigo. Ela ia na<br />
cômoda pegar não sei o quê, dava comigo sentado na ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> balanço pedindo<br />
com o olhar. Pedindo com o olhar fazia muito efeito nela. Ela ia pegar água no<br />
tanque, eu estava sentado na soleira da porta, olhando. Ia no quarto apanhar peças<br />
<strong>de</strong> roupa para lavar. Eu estava sentado na cama com as mãos no queixo, olhando...<br />
Aí ela não se agüentou.<br />
— Chega, Zezé. Já disse que não e não. Por amor <strong>de</strong> Deus, não fique me<br />
atazanando a paciência. Vá brincar.<br />
Mas eu não fui. Isto é, pensei que não ia. Porque ela me pegou, me carregou<br />
porta a fora e me <strong>de</strong>positou no quintal. Depois entrou em casa e fechou a porta da<br />
cozinha e a da sala. Não <strong>de</strong>sisti. Fui ficando sentado <strong>de</strong>fronte <strong>de</strong> toda janela que ela<br />
ia passar. Porque agora ela estava começando a espanar a casa e arrumar as camas.<br />
Ela dava comigo espiando e fechava a janela. Acabou fechando a casa todinha para<br />
não me ver.<br />
— Diaba ruim! Russa <strong>de</strong> mau pêlo! Tomara que você nunca se case com um<br />
ca<strong>de</strong>te! Tomara que você se case com um soldado raso, <strong>de</strong>sses que não têm um<br />
tostão para engraxar a perneira.<br />
22