21.06.2013 Views

José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)

José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)

José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

— Não, Jandira. Dessa vez ele está muito doente e vai morrer...<br />

Durante três dias e três noites, fiquei sem querer nada. Só a febre me<br />

<strong>de</strong>vorando e o vómito que me atacava quando tentavam me dar coisa para comer ou<br />

beber. Ia <strong>de</strong>finhando, <strong>de</strong>finhando. Ficava <strong>de</strong> olhos espiando a pare<strong>de</strong> sem me mexer<br />

horas e horas.<br />

Ouvia o que falavam a meu redor. Entendia tudo, mas não queria respon<strong>de</strong>r.<br />

Não queria falar. Só pensava em ir para o céu.<br />

Glória mudou <strong>de</strong> quarto e passava as noites a meu lado. Não <strong>de</strong>ixava nem<br />

apagar a luz. Todo mundo só usou doçura. Até Dindinha veio passar uns dias com a<br />

gente.<br />

Totóca ficava horas e horas com os olhos arregalados, me falando, <strong>de</strong> vez em<br />

quando.<br />

— Foi mentira, Zezé. Po<strong>de</strong> me acreditar. Foi tudo malda<strong>de</strong>. Não vão<br />

aumentar nem a rua nem nada...<br />

A casa foi-se vestindo <strong>de</strong> silêncio como se a morte tivesse passos <strong>de</strong> seda.<br />

Não faziam barulho. Todo mundo falava baixo.<br />

Mamãe ficava quase toda a noite perto <strong>de</strong> mim. E eu não me esquecia <strong>de</strong>le.<br />

Das suas risadas. Da sua fala diferente. Até os grilos lá fora imitavam o réquete,<br />

réquete da sua barba.<br />

Não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> pensar nele. Agora sabia mesmo o que era a dor. Dor<br />

não era apanhar <strong>de</strong> <strong>de</strong>smaiar. Não era cortar o <strong>pé</strong> com caco <strong>de</strong> vidro e levar pontos<br />

na farmácia. Dor era aquilo, que doía o coração todinho, que a gente tinha que<br />

morrer com ela, sem po<strong>de</strong>r contar para ninguém o segredo. Dor que dava <strong>de</strong>sânimo<br />

nos braços, na cabeça, até na vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> virar a cabeça no travesseiro.<br />

E a coisa piorava. <strong>Meu</strong>s ossos estavam saltando da pele.<br />

Chamaram o médico. Dr. Faulhaber veio e me examinou. Não <strong>de</strong>morou<br />

muito a <strong>de</strong>scobrir.<br />

— Foi um choque. Um trauma muito forte. Ele só viverá se conseguir vencer<br />

esse choque.<br />

Glória levou o médico para fora e contou.<br />

— Foi choque mesmo, doutor. Des<strong>de</strong> que ele soube que iam cortar o <strong>pé</strong> <strong>de</strong><br />

Laranja Lima, ficou assim.<br />

— Então precisam convencê-lo <strong>de</strong> que não é verda<strong>de</strong>.<br />

— Já tentamos <strong>de</strong> todas as maneiras, mas ele não acredita.<br />

— Para ele o pezinho <strong>de</strong> <strong>laranja</strong> é gente. É um menino muito estranho. Muito<br />

sensível e precoce.<br />

Eu ouvia tudo e continuava <strong>de</strong>sinteressado <strong>de</strong> viver. Queria ir pro céu e<br />

ninguém vivo ia para lá.<br />

111

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!