José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
— Só essa semana já levei um punhado <strong>de</strong> surras. Umas até bem doídas.<br />
Também apanho pelo que não faço. Levo culpa <strong>de</strong> tudo. Já se acostumaram a me<br />
bater.<br />
— Mas o que tu fazes <strong>de</strong> tão mal assim?<br />
— Deve ser o diabo mesmo. Vem uma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer, e... eu faço. Essa<br />
semana eu toquei fogo na cerca da Nega Efigênia. Chamei Dona Cordélia, <strong>de</strong> Pata-<br />
Choca e ela virou fera. Chutei uma bola <strong>de</strong> pano e a burra entrou pela janela e<br />
quebrou o espelho gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> Dona Narcisa. Quebrei com a bala<strong>de</strong>ira três lâmpadas.<br />
Dei uma pedrada na cabeça do filho <strong>de</strong> seu Abel.<br />
— Chega, chega.<br />
Ele punha a mão na boca para escon<strong>de</strong>r o sorriso.<br />
— Mas ainda tem mais. Arranquei todas as mudas que Dona Tentena tinha<br />
acabado <strong>de</strong> plantar. Fiz o gato <strong>de</strong> Dona Rosena engolir uma bola <strong>de</strong> gu<strong>de</strong>.<br />
— Ah! Isso não. Não gosto <strong>de</strong> ver maltratar os animais.<br />
— Mas não era das gran<strong>de</strong>s não. Era uma bem pequeninha. Deram um<br />
purgante no bicho e ela saiu. Em vez <strong>de</strong> me darem a bola <strong>de</strong> novo, me <strong>de</strong>ram foi<br />
uma surra danada. Pior foi quando eu estava dormindo e Papai pegou o tamanco e<br />
me sapecou. Eu nem sabia por que apanhava.<br />
— E por que foi?<br />
— A gente foi, uma meninada inteira, ver um filme. Entramos na segunda<br />
porque é mais barato. Aí eu tive vonta<strong>de</strong>, sabe?... e fiquei bem no canto da pare<strong>de</strong> e<br />
fiz. Foi aquela água escorrendo. É bobagem a gente sair e per<strong>de</strong>r um pedaço da fita.<br />
Mas o senhor sabe o que é menino. Basta um fazer e todos os outros ficam com<br />
vonta<strong>de</strong>. Foi todo mundo tocando para o cantinho e foi aquele rio. No fim<br />
<strong>de</strong>scobriram e já sabe: foi o filho <strong>de</strong> seu Paulo. Aí me proibiram por um ano, até eu<br />
criar juízo, <strong>de</strong> entrar no Cinema Bangu. De noite o dono contou pra Papai e ele não<br />
achou graça nenhuma... eu que diga.<br />
Mesmo assim Minguinho continuava emburrado.<br />
— Olha Minguinho, não precisa ficar <strong>de</strong>sse jeito. Ele é meu maior amigo.<br />
Mas você é o rei absoluto das árvores, como Luís é o rei absoluto dos meus irmãos.<br />
Você precisa saber que o coração da gente tem que ser muito gran<strong>de</strong> e caber tudo<br />
que a gente gosta.<br />
Silêncio.<br />
— Sabe <strong>de</strong> uma coisa, Minguinho? Vou jogar bola <strong>de</strong> gu<strong>de</strong>. Você anda muito<br />
enjoado.<br />
* * *<br />
No começo o segredo existiu só porque eu tinha vergonha <strong>de</strong> ser visto no<br />
carro do homem que me <strong>de</strong>ra umas palmadas. Depois persistiu porque sempre era<br />
77