José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
— Guar<strong>de</strong> para comprar bala.<br />
Eu estava até pegando o modo <strong>de</strong> seu Ariovaldo falar.<br />
Meio-dia, já sabe. A gente entrava no primeiro boteco e tróquete, tróquete,<br />
tróquete, <strong>de</strong>vorava o sanduíche ora com refresco <strong>de</strong> <strong>laranja</strong>, ora <strong>de</strong> groselha.<br />
Então eu metia a mão no bolso do troco e esparramava sobre a mesa.<br />
— Taqui, seu Ariovaldo. E empurrava os niqueis para o seu lado.<br />
Ele sorria e comentava:<br />
— Você é um garotinho décente, Zezé.<br />
— Seu Ariovaldo que é que é pinéu como o senhor me chamava<br />
antigamente?<br />
— Na minha terra, a santa Bahia, quer dizer, menininho buchudo, pequeno,<br />
miudinho...<br />
Ele coçou a cabeça e botou a mão na boca para dar um arroto.<br />
Pediu <strong>de</strong>sculpas e apanhou um palito para usar. E o dinheiro continuava no<br />
mesmo canto.<br />
— Eu tive pensando, Zezé. De hoje em diante você po<strong>de</strong> ficar com os<br />
trocadinhos. Afinal nós agora somos é um dupla.<br />
— Que é dupla?<br />
— Quando duas pessoas cantam juntas.<br />
— Então posso comprar uma maria-mole?<br />
— O dinheiro é seu. Faça o que bem enten<strong>de</strong>r.<br />
— Obrigado, “companheiro”.<br />
Ele riu da imitação. Agora era eu que comia o doce e olhava para ele.<br />
— Eu sou mesmo dupla?<br />
— Agora é.<br />
— Então o senhor <strong>de</strong>ixa eu cantar a parte do coração da Fanny. O senhor<br />
canta forte e eu entro <strong>de</strong> coração com a voz mais doce do mundo.<br />
— Não é má idéia, Zezé.<br />
— Pois quando a gente voltar <strong>de</strong>pois do almoço. Vamos começar com Fanny<br />
que dá uma sorte danada.<br />
E <strong>de</strong>baixo do sol quente recomeçamos o trabalho.<br />
Estávamos tocando a Fanny para frente quando aconteceu um <strong>de</strong>sastre. Dona<br />
Maria da Penha, vinha lá muito beata <strong>de</strong>baixo da sombrinha, com a cara branca <strong>de</strong><br />
pó <strong>de</strong> arroz. Ficou parada ouvindo a nossa Fanny. Seu Ariovaldo adivinhou<br />
tragédia e me cutucou para que continuasse cantando mas andasse também.<br />
Qual o quê! Eu estava tão fascinado com o coração da Fanny que nem <strong>de</strong>i fé.<br />
Dona Maria da Penha fechou a sombrinha e ficou batendo com a ponta no<br />
bico do sapato. Quando acabei, fechou uma cara <strong>de</strong> raiva danada e exclamou:<br />
— Muito bonito. Muito bonito mesmo uma criança cantar uma imoralida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ssas.<br />
56