José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Me pegou no colo e me sentou na ca<strong>de</strong>ira. Ligeiramente apanhou uma bacia<br />
<strong>de</strong> água com sal e se ajoelhou aos meus <strong>pé</strong>s.<br />
— Vai doer muito, Zezé.<br />
— Já está doendo muito.<br />
— <strong>Meu</strong> Deus tem quase três <strong>de</strong>dos <strong>de</strong> corte. Como você foi fazer isso, Zezé?<br />
— Você não conta pra ninguém. Por favor, Godóia, eu prometo que fico<br />
bonzinho. Não <strong>de</strong>ixe ninguém me bater tanto...<br />
— Tá bem, eu não conto. Como vamos fazer? Todo mundo vai ver seu <strong>pé</strong><br />
amarrado. E amanhã você não po<strong>de</strong>rá ir à Escola. Vão acabar <strong>de</strong>scobrindo.<br />
— Eu vou à Escola, sim. Calço os sapatos até a esquina. Depois é mais fácil.<br />
— Você precisa ir se <strong>de</strong>itar e ficar com o <strong>pé</strong> bem esticado, senão isso não dá<br />
para você andar amanhã.<br />
Ajudou-me a ir capengando para a cama.<br />
— Vou trazer qualquer coisa para que você coma antes que os outros<br />
cheguem.<br />
Quando voltou com a comida, eu não agüentei e <strong>de</strong>i um beijo nela. Aquilo<br />
era muito raro em mim.<br />
* * *<br />
Quando todos tinham chegado para o jantar, Mamãe <strong>de</strong>u falta <strong>de</strong> mim.<br />
— Cadê Zezé?<br />
— Está <strong>de</strong>itado. Des<strong>de</strong> cedo que ele queixa <strong>de</strong> dor <strong>de</strong> cabeça.<br />
Eu escutava embevecido esquecendo até o ardor do ferimento. Gostava <strong>de</strong><br />
estar sendo o assunto. Foi quando Glória resolveu tomar a minha <strong>de</strong>fesa. Fez uma<br />
voz queixosa e ao mesmo tempo acusativa.<br />
— Acho que todo mundo anda batendo nele. Ele hoje estava todo moído.<br />
Três surras é <strong>de</strong>mais.<br />
— Mas é uma pestezinha. Só fica quieto quando apanha!<br />
— Vai dizer que você também não bate nele?<br />
— Muito difícil. Quando muito, puxo as suas orelhas.<br />
Fizeram um silêncio e Glória ainda continuou a me <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r.<br />
— Afinal, minha gente, ele ainda não tem seis anos. É levado mas ainda é<br />
uma criancinha.<br />
Aquela conversa foi uma felicida<strong>de</strong> para mim.<br />
* * *<br />
Glória estava angustiada me arrumando, ajudando a calçar os tênis.<br />
— Dá pra ir?<br />
71