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José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)

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* * *<br />

— Pois é como lhe disse, Minguinho. É todo santo dia. Parece que ele espera<br />

eu passar e lá vem buzinando. Buzina três vezes. Ontem até me <strong>de</strong>u a<strong>de</strong>us.<br />

— E você?<br />

— Eu nem ligo. Finjo que não vejo. Tá começando a dar medo nele; você vê,<br />

eu vou fazer seis anos e logo, logo estarei um homem.<br />

— Você acha que ele está querendo ficar seu amigo, por medo?<br />

— Não tenho nem dúvida. Péra aí que eu vou buscar o caixotinho.<br />

Minguinho tinha crescido bastante. Para subir na sua sela tornava-se<br />

necessário colocar o caixote embaixo.<br />

— Pronto, agora vamos conversar mesmo.<br />

Dali do alto eu me sentia maior que o mundo. Relanceava a vista para a<br />

paisagem, para o capinzal do valão, para os tizius e coleiros que vinham catar<br />

comidas por ali. De noite, nem bem a escuridão fosse chegando outro Luciano<br />

vinha dar vôos em volta da minha cabeça todo alegre como se fosse um aeroplano<br />

do Campo dos Afonsos. No começo até Minguinho se admirou que eu não tivesse<br />

medo do morcego porque em geral toda criança ficava apavorada. Aliás fazia dias<br />

que Luciano não aparecia. Por certo arranjara outros campos dos afonsos em outros<br />

lugares.<br />

— Você viu, Minguinho, as goiabeiras da casa da Nega Efigênia começam a<br />

amarelecer. As goiabas no mínimo já estão <strong>de</strong> vez. O diabo é que se ela me pega,<br />

Minguinho. Hoje já levei três coças. Se eu estou aqui é porque me puseram <strong>de</strong><br />

castigo...<br />

Mas o diabo me <strong>de</strong>u a mão para <strong>de</strong>scer e me puxou até a cerca <strong>de</strong> crótons. O<br />

ventinho da tar<strong>de</strong> começou a trazer ou inventar o cheiro das goiabas até o meu<br />

nariz. Espia daqui, afasta um galhinho dali, escuta que não tem barulho... e o diabo<br />

falando: “Vai bobo, não vê que não tem ninguém. Essa hora ela <strong>de</strong>ve ter ido à<br />

quitanda da japonesa. Seu Benedito? Qual nada. Ele está quase cego e surdo. Não<br />

vê nada. Dá tempo <strong>de</strong> fugir se ele perceber...”<br />

Segui a cerca até o valão e me <strong>de</strong>cidi. Antes, fiz sinal a Minguinho para não<br />

fazer barulho. Já nessa hora meu coração acelerara. A Nega Efigênia não era <strong>de</strong><br />

brinquedo, não. Tinha uma língua que só Deus sabia. Vinha <strong>pé</strong> ante <strong>pé</strong>, sem<br />

respirar, quando o seu vozeirão partiu da janela da cozinha.<br />

— Que é isso, menino?<br />

Nem tive a idéia <strong>de</strong> mentir dizendo que viera apanhar uma bola. Meti o<br />

carreirão e tchibum pulei <strong>de</strong>ntro do valão. Mas lá <strong>de</strong>ntro me esperava outra coisa.<br />

Uma dor tão gran<strong>de</strong> que quase me fez gritar, mas se gritasse apanharia duas vezes:<br />

primeiro, porque fugira do castigo; segundo, porque estava roubando goiaba no<br />

vizinho e acabara <strong>de</strong> enfiar um caco <strong>de</strong> vidro no <strong>pé</strong> esquerdo.<br />

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