21.06.2013 Views

José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)

José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)

José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Como ele visse que meus olhos estavam mais molhados ainda, me puxou<br />

pelo braço, me levou até o carro e me sentou sem precisar abrir a porta.<br />

Voltou para pagar a <strong>de</strong>spesa e ouvi que ele conversava com seu Ladislau e os<br />

outros.<br />

— Ninguém enten<strong>de</strong> essa criança em sua casa. Nunca vi um menino com<br />

tamanha sensibilida<strong>de</strong>.<br />

— Conta à verda<strong>de</strong>, Portuga. Você gosta muito <strong>de</strong>sse diabrete.<br />

— O que tu pensas ainda é pouco. É um Pirralho maravilhoso e inteligente.<br />

Veio para o carro e sentou-se.<br />

— On<strong>de</strong> queres ir?<br />

— Só sair daqui. A gente po<strong>de</strong> ir até o caminho do Murundu. É perto e não<br />

gasta muita gasolina.<br />

Ele riu.<br />

— Não és muito criança para enten<strong>de</strong>res dos problemas <strong>de</strong> gente gran<strong>de</strong>?<br />

A pobreza lá em casa era tanta que a gente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo aprendia a não gastar<br />

qualquer coisa. Tudo custava muito dinheiro. Era caro.<br />

Durante a pequena viagem ele nada disse. Deixava que eu me recuperasse.<br />

Mas quando tudo se afastou e o caminho ficou aquela maravilha <strong>de</strong> ver<strong>de</strong>s<br />

capinzais ele estancou o carro, olhou-me e sorriu com aquela bonda<strong>de</strong> que enchia o<br />

que faltava <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong> no resto do mundo.<br />

— Portuga, olhe para minha cara. Cara não, focinho. Lá em casa dizem que<br />

eu tenho focinho porque não sou gente, sou bicho, sou índio Pinagé, sou filho do<br />

diabo.<br />

— Prefiro ainda olhar tua cara.<br />

— Mas olhe mesmo. Olhe como ainda estou todo inchado <strong>de</strong> apanhar.<br />

Os olhos do Português adquiriram uma expressão <strong>de</strong> inquietu<strong>de</strong> e pena.<br />

— Mas porque te fizeram isso?<br />

Fui contando, contando tudo, sem exagerar uma palavra. Quando acabei seus<br />

olhos estavam úmidos e não sabia o que fazer.<br />

— Mas não po<strong>de</strong>m bater tanto numa criancinha como tu. Ainda nem fizeste<br />

seis anos. Minha Nossa Senhora <strong>de</strong> Fátima!<br />

— Eu sei por quê. Eu não presto mesmo. Sou tão ruim que quando chega o<br />

Natal acontece aquilo: Nasce o Menino Diabo em vez do Menino Deus!...<br />

— Besteiras, tu és um anjinho ainda. Po<strong>de</strong>s ser um tanto traquinas...<br />

Aquela idéia fixa tornou a me angustiar a mente.<br />

— Eu sou tão ruim que nem <strong>de</strong>via ter nascido. Eu falei isso para Mamãe<br />

outro dia.<br />

Pela primeira vez ele gaguejou.<br />

— Não <strong>de</strong>vias ter dito essas coisas.<br />

93

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!