21.06.2013 Views

José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)

José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)

José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Tomado <strong>de</strong> fúria, só então ele se ergueu da ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> balanço. Desabotoou o<br />

cinto. Aquele cinto que tinha duas ro<strong>de</strong>las <strong>de</strong> metal e começou a me xingar<br />

apoplético. De cachorro, <strong>de</strong> porcaria, <strong>de</strong> traste vagabundo, se era assim que falava<br />

do seu Pai.<br />

O cinto zunia com uma força danada sobre o meu corpo. Parecia que o cinto<br />

tinha mil <strong>de</strong>dos que me acertavam em qualquer parte do corpo. Eu fui caindo, me<br />

encolhendo no cantinho da pare<strong>de</strong>. Estava certo que ele ia me matar mesmo. Ainda<br />

pu<strong>de</strong> ouvir a voz <strong>de</strong> Glória que entrava para me salvar. Glória, a única ruça como<br />

eu. Glória que ninguém tocava. Ela segurou a mão <strong>de</strong> Papai e segurou o golpe.<br />

— Papai. Papai. Por amor <strong>de</strong> Deus, me bata, mas não bata mais nessa<br />

criança.<br />

Ele jogou o cinto sobre a mesa e passou as mãos sobre o rosto. Chorava por<br />

ele e por mim.<br />

— Eu perdi a cabeça. Pensei que ele estava caçoando <strong>de</strong> mim. Fazendo<br />

pouco caso.<br />

Quando Glória me apanhou do chão, eu <strong>de</strong>smaiei.<br />

Quando eu me apercebi das coisas, ardia em febre. Mamãe e Glória estavam<br />

à minha cabeceira e me diziam coisas carinhosas. Na sala havia movimento <strong>de</strong><br />

muita gente. Até Dindinha tinha sido chamada. Eu doía todo a cada movimento.<br />

Depois eu soube que queriam chamar o médico, mas não ficava bem.<br />

Glória me trouxe um caldo que fizera e tentou me dar algumas colheradas.<br />

Mal podia respirar, quanto mais engolir. Ficava numa sonolência danada e quando<br />

acordava a dor ia diminuindo. Mas Mamãe e Glória continuavam me velando.<br />

Mamãe passou a noite comigo e só bem <strong>de</strong> madrugada se levantou para prepararse.<br />

Precisava ir trabalhar. Quando ela veio se <strong>de</strong>spedir <strong>de</strong> mim eu me agarrei ao seu<br />

pescoço.<br />

— Não vai ser nada, meu filho. Amanhã você ficará bom...<br />

— Mamãe...<br />

Falei baixinho, talvez a maior acusação da vida.<br />

— Mamãe, eu não <strong>de</strong>via ter nascido. Devia ter sido como o meu balão...<br />

Ela alisou tristemente a minha cabeça.<br />

— Todo mundo <strong>de</strong>ve ter nascido como nasceu. Você também. Só que às<br />

vezes você, Zezé, é levado <strong>de</strong>mais...<br />

90

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!