José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
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— Então, moleque at<strong>rev</strong>ido. Eras tu? Um pirralho <strong>de</strong>sses com tal<br />
at<strong>rev</strong>imento!...<br />
Deixou que meus <strong>pé</strong>s tocassem no chão. Soltou uma das minhas orelhas e<br />
com o braço grosso me ameaçava o rosto.<br />
— Pensas, moleque, que eu não te observei todos os dias espiando o meu<br />
carro? Vou te dar um corretivo e não terás mais vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> repetir o que fizeste.<br />
A humilhação doía mais que a própria dor. Só tinha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> sapecar uma<br />
saraivada <strong>de</strong> palavrões no bruto.<br />
Mas ele não me soltava e parecendo adivinhar meus pensamentos me<br />
ameaçou com a mão livre.<br />
— Fala! Xinga! Por que não falas?<br />
<strong>Meu</strong>s olhos se encheram d'água, da dor, da humilhação, das pessoas que<br />
estavam presenciando a cena e rindo com malda<strong>de</strong>.<br />
O Português continuava a me <strong>de</strong>safiar.<br />
— Então, por que tu não xingas, moleque?<br />
Uma <strong>rev</strong>olta cruel veio surgindo <strong>de</strong>ntro do meu peito e eu consegui<br />
respon<strong>de</strong>r com raiva:<br />
— Não falo agora, mas estou pensando. E quando eu crescer vou matar o<br />
senhor.<br />
Ele <strong>de</strong>u uma risada que foi acompanhada pelos circunstantes.<br />
— Pois cresce, molecote. Eu cá te espero. Mas antes disso vou dar-te uma<br />
lição.<br />
Soltou rapidamente minha orelha e me <strong>de</strong>bruçou sobre a sua coxa. Aplicoume<br />
uma, só uma palmada, mas com tamanha força que eu pensei que o meu traseiro<br />
tinha grudado no estômago. Só então ele me soltou.<br />
Saí zonzo <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> uma caçoada enorme. Quando atingi o outro lado da<br />
Rio-São Paulo que atravessei sem enxergar, consegui passar a mão na bunda para<br />
suavizar o golpe recebido. Filho da puta! Ele ia ver só. Jurava que me vingaria.<br />
Jurava que... mas a dor foi diminuindo na proporção que me afastava daquela gente<br />
<strong>de</strong>sgraçada. Pior era quando soubessem na Escola. E o que diria para Minguinho?<br />
Durante uma semana quando passasse pelo Miséria e Fome estariam rindo <strong>de</strong> mim<br />
naquela covardia toda dos gran<strong>de</strong>s. Era preciso sair mais cedo e cruzar a estrada<br />
pelo outro lado...<br />
Nesse estado <strong>de</strong> espírito me aproximei do Mercado. Fui lavar o <strong>pé</strong> na bica e<br />
calçar os meus sapatinhos tênis. Totóca estava me esperando ansioso. Não contaria<br />
nada do meu fracasso.<br />
— Zezé, você precisa me ajudar.<br />
— Que foi que você fez?<br />
— Se lembra <strong>de</strong> Bié?<br />
— Aquele boisão da Barão <strong>de</strong> Capanema?<br />
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