José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
— Com o tempo do papagaio vocês mesmos me levaram tudo. Mas que<br />
diferença faz? Papagaio <strong>de</strong> qualquer cor sobe, não sobe?<br />
— Mas não é para papagaio. Eu vou fazer o meu primeiro balão. Queria que<br />
o meu primeiro balão fosse o balão mais bonito do mundo.<br />
Não havia tempo a per<strong>de</strong>r. Se corresse até o armazém do Chico Franco<br />
perdia muito tempo.<br />
— Vai assim mesmo.<br />
Agora a coisa era diferente. Botei uma ca<strong>de</strong>ira junto da mesa e trepei o rei<br />
Luís para espiar.<br />
— Você fica quietinho, promete? Zezé. vai fazer uma coisa dificí<strong>lima</strong>.<br />
Quando você crescer eu lhe ensino sem cobrar nada.<br />
Começou a escurecer rapidamente, e a gente trabalhando. A Fábrica apitou.<br />
Precisava andar <strong>de</strong>pressa. Jandira já estava colocando os pratos na mesa. Ela tinha a<br />
mania <strong>de</strong> dar a comida pra gente mais cedo, para ninguém amolar os mais velhos.<br />
— Zezé!... Luís!...<br />
O berro vinha tão forte como se a gente estivesse lá pelos lados do Murundu.<br />
Desci Luís e falei:<br />
— Vai indo à frente que eu já vou.<br />
— Zezé!... Venha logo, senão vai ter.<br />
— Já vou já!<br />
A diaba estava <strong>de</strong> mau humor. Devia ter brigado com um dos seus<br />
namorados. Ou o da ponta da rua ou o do começo.<br />
Agora, parecia <strong>de</strong> propósito, a cola estava ficando seca e a farinha grudava<br />
nos <strong>de</strong>dos dificultando o trabalho.<br />
O berro veio mais forte. Quase não havia mais luz para o meu trabalho.<br />
— Zezé!...<br />
Pronto. Estava perdido. Ela veio <strong>de</strong> lá, furiosa.<br />
— Pensa que eu sou sua empregada? Venha comer logo.<br />
Invadiu a sala e me agarrou pelas orelhas. Foi me arrastando até a sala e me<br />
atirou contra a mesa. Aí eu me danei.<br />
— Não janto. Não janto. Não janto. Eu quero é acabar o meu balão.<br />
Escorreguei e voltei correndo para o lugar anterior.<br />
Ela virou fera. Em vez <strong>de</strong> avançar para mim, caminhou em direção da mesa.<br />
E era uma vez um belo sonho. <strong>Meu</strong> balão inacabado se transformara em tiras se<br />
rasgando. Não satisfeita com isso (e tamanho foi o meu estupor, que nada fiz) ela<br />
me pegou pelas pernas, pelos braços e me atirou no meio da sala.<br />
— Quando eu falo é para obe<strong>de</strong>cer.<br />
O diabo se soltou <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim. A <strong>rev</strong>olta estourou como um furacão. No<br />
começo veio uma simples rajada.<br />
— Sabe o que você é? É uma puta!<br />
85