José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
— Que cabecinha imaginosa que tu tens.<br />
Dizia isso mas não conseguia escon<strong>de</strong>r a emoção que o assaltava.<br />
— Mas tu também não disseste que me matavas?<br />
— Disse no começo. Depois matei você ao contrário. Fiz você morrer<br />
nascendo no meu coração. Você é a única pessoa que eu gosto, Portuga. O único<br />
amigo que eu tenho. Não é porque me dá figurinhas, refresco, doce ou bola <strong>de</strong><br />
gu<strong>de</strong>... Juro que estou falando a verda<strong>de</strong>.<br />
— Ora, todo mundo te quer bem. Tua mãe, mesmo o teu pai. Tua irmã<br />
Glória, o rei Luís... Por acaso, esqueceste o teu <strong>pé</strong> <strong>de</strong> Laranja Lima? o tal <strong>de</strong><br />
Minguinho e...<br />
— Xururuca.<br />
— Pois então...<br />
— Agora é diferente, Portuga. Xururuca é uma simples laranjeirinha que<br />
nem sequer sabe dar uma flor... Isso é que é a verda<strong>de</strong>... Mas você, não. Você é<br />
meu amigo e foi por isso que eu pedi para passear no nosso carro que daqui a pouco<br />
vai ser só seu. Eu vim dizer a<strong>de</strong>us para você.<br />
— A<strong>de</strong>us?<br />
— Sério. Você vê, eu não presto para nada, estou cansado <strong>de</strong> sofrer pancada<br />
e puxões <strong>de</strong> orelha. Vou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser uma boca a mais...<br />
Comecei a sentir um nó doloroso na garganta. Precisava muito <strong>de</strong> coragem<br />
para contar o resto.<br />
— Vais fugir então?<br />
— Não. Eu passei esta semana toda pensando nisso. Hoje <strong>de</strong> noite eu vou me<br />
atirar <strong>de</strong>baixo do Mangaratiba.<br />
Ele nem falou. Me apertou fortemente nos braços e me confortou do jeito que<br />
só ele sabia fazer.<br />
— Não. Não digas isso, por amor <strong>de</strong> Deus. Tens uma vida linda pela frente.<br />
Com essa cabeça e essa inteligência. Não digas assim que é pecado! Eu não quero<br />
nem que penses, nem que repitas isso. E eu? Tu não me queres bem? Se me queres<br />
e não estás mentindo, não <strong>de</strong>ves falar mais assim.<br />
Afastou-se <strong>de</strong> mim e me olhou nos olhos. Passou as costas das mãos sobre as<br />
minhas lágrimas.<br />
— Eu te quero muito, Pirralho. Muito mais do que tu pensas. Vamos, sorri.<br />
Sorri meio aliviado com a confissão.<br />
— Tudo isso vai passar. Logo serás dono das ruas com teus papagaios, rei da<br />
bola <strong>de</strong> gu<strong>de</strong>, um vaqueiro tão forte como Buck Jones... Demais a mais, eu pensei<br />
numa coisa. Queres saber?<br />
— Quero.<br />
95