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José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)

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CAPÍTULO QUINTO<br />

Suave e estranho pedido<br />

UMA SEMANA foi preciso para que eu me recuperasse todo. Não provinha<br />

das dores nem das pancadas o meu <strong>de</strong>sânimo. Verda<strong>de</strong> que em casa começaram a<br />

me tratar bem que dava para <strong>de</strong>sconfiar. Mas faltava qualquer coisa. Qualquer coisa<br />

importante que me fizesse voltar a ser o mesmo, talvez a acreditar nas pessoas, na<br />

bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong>las. Eu ficava tão quietinho, sem vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> nada, sentado quase sempre<br />

perto <strong>de</strong> Minguinho, olhando a vida, perdido no <strong>de</strong>sinteresse. Nada <strong>de</strong> conversar<br />

com ele nem <strong>de</strong> ouvir as suas histórias. O mais que acontecia era <strong>de</strong>ixar meu<br />

irmãozinho ficar perto <strong>de</strong> mim. Fazer bondinho <strong>de</strong> Pão <strong>de</strong> Açúcar que ele adorava<br />

com os botões, e <strong>de</strong>ixá-lo subir e <strong>de</strong>scer os cem bondinhos, o dia inteiro. Eu o<br />

olhava com uma ternura imensa, porque quando eu era criança, como ele, também<br />

gostava daquilo...<br />

Glória estava preocupada com o meu mutismo. Punha ela mesmo meu monte<br />

<strong>de</strong> figurinhas, meu saquinho <strong>de</strong> bolas <strong>de</strong> gu<strong>de</strong> perto e às vezes eu nem mexia. Não<br />

sentia vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir ao cinema, nem <strong>de</strong> sair engraxando sapatos. A realida<strong>de</strong> era<br />

que não conseguia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> esticar a minha dor <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro. De bichinho batido<br />

maldosamente, sem saber por quê...<br />

Glória perguntava pelo meu mundo <strong>de</strong> fantasias.<br />

— Eles não estão. Foram para longe...<br />

Estava certamente me referindo a Fred Thompson e aos outros amigos.<br />

Mas ela não sabia a <strong>rev</strong>olução que se realizava <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim. O que eu<br />

tinha resolvido. Iria mudar <strong>de</strong> filmes. Nada mais <strong>de</strong> filmes <strong>de</strong> cowboy, nem índio<br />

nem nada. Eu <strong>de</strong> agora em diante só iria ver filme <strong>de</strong> amor, como os gran<strong>de</strong>s<br />

chamavam. Filme que tivesse muito beijo, muito abraço e que todo mundo se<br />

gostasse. Já que eu só servia para apanhar, po<strong>de</strong>ria pelo menos ver os outros se<br />

gostarem.<br />

Chegou o dia que eu já podia ir para a Escola. Fui mas não para a Escola.<br />

Sabia que o Portuga passara uma semana me esperando com o “nosso” carro e<br />

naturalmente só recomeçaria a me esperar quando eu o avisasse. Ele <strong>de</strong>via estar<br />

muito preocupado com a minha ausência. Mesmo que me soubesse doente não viria<br />

me procurar. Nós tínhamos dado a nossa palavra, tínhamos feito um pacto <strong>de</strong> morte<br />

com o nosso segredo. Ninguém, só Deus, <strong>de</strong>veria saber da nossa amiza<strong>de</strong>.<br />

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