José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Mas logo, logo a fada da inocência passou voando numa nuvem branca que<br />
agitou as folhas das árvores, os capinzais do valão e as folhas <strong>de</strong> Xururuca. Um<br />
sorriso iluminou meu rosto maltratado.<br />
— Foi você quem fez isso, Minguinho?<br />
— Eu, não.<br />
— Ah que beleza, então é o tempo do vento que está chegando.<br />
Na nossa rua havia tempo <strong>de</strong> tudo. Tempo <strong>de</strong> bola <strong>de</strong> gu<strong>de</strong>. Tempo <strong>de</strong> pião.<br />
Tempo <strong>de</strong> colecionar figurinhas <strong>de</strong> artistas <strong>de</strong> cinema. Tempo <strong>de</strong> papagaio, o mais<br />
bonito <strong>de</strong> todos os tempos. Os céus ficavam por todos os lados repletos <strong>de</strong><br />
papagaios <strong>de</strong> todas as cores. Papagaios lindos <strong>de</strong> todos os feitios. Era a guerra no<br />
ar. As cabeçadas, as lutas, as laçadas e os cortes.<br />
As giletes cortavam as linhas e lá vinha um papagaio rodopiando no espaço<br />
embaraçando a linha do cabresto com a cauda sem equilíbrio; era lindo tudo aquilo.<br />
O mundo se tornava só das crianças da rua. De todas as ruas <strong>de</strong> Bangu. Depois era<br />
um tal <strong>de</strong> caveirinha enrolada nos fios; era um tal <strong>de</strong> correr do caminhão da Light.<br />
Os homens vinham furiosos arrancar os papagaios mortos, atrapalhando os fios. O<br />
vento... o vento...<br />
Com o vento veio a idéia.<br />
— Vamos brincar <strong>de</strong> caçada, Luís?<br />
— Eu não posso montar no cavalo.<br />
— Logo você cresce e po<strong>de</strong>. Você fica sentadinho aí e vai apren<strong>de</strong>ndo como<br />
é.<br />
De repente Minguinho virou o mais lindo cavalo do mundo; o vento<br />
aumentou mais e o capinzal meio ralo do valão se transformou numa planície<br />
imensa e ver<strong>de</strong>jante. Minha roupa <strong>de</strong> cowboy estava ajaezada <strong>de</strong> ouro. Relampejava<br />
em meu peito a estrela <strong>de</strong> Xerife.<br />
— Vamos, cavalinho, vamos. Corre, corre...<br />
Plequet-plequet-plequet! já estava reunido a Tom Mix e Fred Thompson;<br />
Buck Jones não quisera vir <strong>de</strong>ssa vez e Richard Talmadge trabalhava noutro filme.<br />
— Vamos, vamos, cavalinho. Corre, corre. Lá vêm os amigos Apaches<br />
fazendo poeira no caminho.<br />
Plequet-plequet-plequet! A cavalada dos índios estava fazendo um barulho<br />
louco.<br />
— Corre, corre, cavalinho, a planície está cheia <strong>de</strong> bisões e búfalos. Vamos<br />
atirar, minha gente. Plaft, plaft, plaft... Teco, teco, teco... Fiúm, fium, fium, as<br />
flechas assobiavam...<br />
O vento, a galopada, a carreira louca, as nuvens <strong>de</strong> poeira e a voz <strong>de</strong> Luís<br />
quase que gritando.<br />
— Zezé! Zezé!...<br />
Fui parando o cavalo <strong>de</strong>vagar e saltei afogueado da proeza.<br />
65