José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
— E as outras duas coisas?<br />
— Sabe, Zezé, a nossa miséria vai se acabar; Papai arranjou um lugar <strong>de</strong><br />
gerente na Fábrica <strong>de</strong> Santo Aleixo. Nós vamos ser ricos <strong>de</strong> novo, Ué! Você não<br />
ficou contente?<br />
— Fiquei, sim, por Papai. Mas eu não quero sair <strong>de</strong> Bangu. Vou ficar<br />
morando com Dindinha. Daqui só saio para Trás-os-Montes...<br />
— Sei. Você prefere ficar com Dindinha e tomar purgante todos os meses do<br />
que ir com a gente?<br />
— Prefiro. Você nunca vai saber por quê... E a outra?<br />
— Não posso falar aqui. Tem “alguém” que não po<strong>de</strong> ouvir.<br />
Saímos e fomos para junto da privada. Mas mesmo assim ele falou baixo.<br />
— Preciso avisar você, Zezé. Pra você ir se acostumando. A prefeitura vai<br />
alargar as ruas. Vai aterrar todos os valões e avançar no fundo <strong>de</strong> todos os quintais.<br />
— Que que tem isso?<br />
— Você que é tão inteligente não enten<strong>de</strong>u? É que aumentando as ruas ela<br />
vai <strong>de</strong>rrubar tudo aquilo ali.<br />
Indicou o lugar on<strong>de</strong> estava o meu <strong>pé</strong> <strong>de</strong> Laranja Lima. Fiz beiço <strong>de</strong> choro.<br />
— Você está mentindo, não está, Totóca?<br />
— Não precisa ficar com essa cara <strong>de</strong> choro. Ainda vão <strong>de</strong>morar muito.<br />
<strong>Meu</strong>s <strong>de</strong>dos nervosamente estavam contando as moedinhas no meu bolso.<br />
— É mentira, não é, Totóca?<br />
— Não. É a pura verda<strong>de</strong>. Mas você é ou não é um homem?<br />
— Sou, sim.<br />
Mas as lágrimas covar<strong>de</strong>mente <strong>de</strong>sciam pelo meu rosto. Abracei a barriga<br />
<strong>de</strong>le, implorando.<br />
— Você vai ficar do meu lado, não, Totóca? Vou juntar muita gente para<br />
fazer guerra. Ninguém vai cortar o meu <strong>pé</strong> <strong>de</strong> Laranja Lima...<br />
— Tá bem. Nós não <strong>de</strong>ixaremos. E agora, você me empresta o dinheiro?<br />
— É para quê?<br />
— Como você não po<strong>de</strong> entrar no Cinema Bangu, lá está passando um filme<br />
<strong>de</strong> Tarzã. Depois eu conto tudo para você.<br />
Peguei uma pratinha <strong>de</strong> quinhentos réis e entreguei a ele enquanto limpava os<br />
olhos com as fraldas da camisa.<br />
— Fique com o troco. Dá para comprar balas...<br />
Voltei para o <strong>pé</strong> <strong>de</strong> Laranja Lima sem vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> falar só me lembrando do<br />
filme <strong>de</strong> Tarzã. Eu já o vira na véspera. Fui lá e contei para o Portuga.<br />
— Queres ir?<br />
— Querer bem que eu queria, mas não posso entrar no Cinema Bangu.<br />
Lembrei por que não podia. Ele riu.<br />
— Essa cabecinha não está inventando coisas?<br />
106