José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
CAPÍTULO TERCEIRO<br />
Conversas para lá e para cá<br />
— SABE, MINGUINHO, eu já <strong>de</strong>scobri tudo. Tudinho. Ele mora no fim da<br />
Rua Barão <strong>de</strong> Capanema. Bem no finzinho. Ele guarda o carrão do lado da casa.<br />
Tem duas gaiolas, uma com um canário e outra com um azulão. Fui lá bem<br />
cedinho, como quem não quer nada, levando minha caixa <strong>de</strong> engraxate. Eu ia com<br />
tanta vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir, Minguinho, que nem senti minha caixa pesada <strong>de</strong>ssa vez. Aí,<br />
olhei bem a casa e achei que era muito gran<strong>de</strong> para uma pessoa viver sozinha. Ele<br />
estava do lado, nos fundos, junto do tanque. Estava fazendo a barba.<br />
Bati palmas.<br />
— Quer engraxar?<br />
Ele veio <strong>de</strong> lá com o rosto cheio <strong>de</strong> sabão. Um pedaço raspado já. Deu um<br />
sorriso e falou:<br />
— Ah! És tu? Entra, Pirralho.<br />
Segui os seus passos.<br />
— Espera que já acabo.<br />
E foi fazendo com a navalha no rosto, réquete, réquete, réquete. Eu pensei,<br />
quando ficar gran<strong>de</strong> e for homem quero ter uma barba que faça bonito assim,<br />
réquete, réquete, réquete...<br />
Sentei na minha caixinha e fiquei esperando. Ele me olhou pelo espelho.<br />
— E a tua aula?<br />
— Hoje é Feriado Nacional. Por isso, saí engraxando para ganhar uns cobres.<br />
— Ah!<br />
E continuou. Depois <strong>de</strong>bruçou-se no tanque e lavou o rosto. Enxugou na<br />
toalha. Depois ficou com o rosto corado e brilhando. Depois ele riu, <strong>de</strong> novo.<br />
— Queres tomar café comigo?<br />
Disse que não queria, querendo.<br />
— Entra.<br />
Só queria que você visse como tudo é limpinho e arrumadinho. A mesa tinha<br />
até toalha <strong>de</strong> xadrez vermelhinho. E lá estava até, xícara. Nada <strong>de</strong> caneca <strong>de</strong><br />
flandres como lá em casa. Ele contou que uma preta velha vinha todos os dias<br />
“pôr” em or<strong>de</strong>m “quando saía para trabalhar”.<br />
— Se queres, faze como eu, molha o pão no café. Mas não faças barulho ao<br />
engolires. É feio.<br />
Aí eu olhei para Minguinho, ele estava mudo como uma bruxa <strong>de</strong> pano.<br />
75