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José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)

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Como era fácil para uns morrer. Era só vir um trem malvado e pronto. E<br />

como era difícil para mim ir para o céu. Todo mundo estava segurando minhas<br />

pernas para eu não ir.<br />

A bonda<strong>de</strong> e <strong>de</strong>dicação <strong>de</strong> Glória conseguiam fazer que eu chegasse a<br />

conversar um pouco. Até Papai <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> sair <strong>de</strong> noite. Totóca emagreceu tanto <strong>de</strong><br />

remorso que Jandira chegou a lhe dar um carão.<br />

— Já não basta um, Antônio?<br />

— Você não está no meu lugar para sentir. Fui eu que contei para ele. Ainda<br />

sinto na barriga, até quando estou dormindo, o rosto <strong>de</strong>le chorando, chorando...<br />

— Agora não vá você chorar também. Você já está um marmanjo e ele vai<br />

viver. Deixe disso e vá me comprar uma lata <strong>de</strong> leite con<strong>de</strong>nsado no Miséria e<br />

Fome.<br />

— Então me dê o dinheiro que ele não fia mais para Papai...<br />

A fraqueza ia me dando uma sonolência contínua. Não sabia mais quando era<br />

dia ou noite. A febre ia ce<strong>de</strong>ndo e os meus tremores e agitamentos começavam a se<br />

distanciar.<br />

Abria os olhos e na semi-escuridão encontrava Glória que não se arredava <strong>de</strong><br />

mim. Ela tinha trazido a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> balanço para o quarto e muitas vezes adormecia<br />

<strong>de</strong> cansaço.<br />

— Godóia, já é <strong>de</strong> tar<strong>de</strong>?<br />

— Quase <strong>de</strong> tar<strong>de</strong>, coração.<br />

— Você quer abrir a janela?<br />

— Não vai doer sua cabeça?<br />

— Acho que não.<br />

A luz entrou e via-se uma nesga <strong>de</strong> céu lindo. Olhei o céu e <strong>de</strong> novo comecei<br />

a chorar.<br />

— Que é isso, Zezé? Um céu tão lindo, tão azul que o Menino Deus fez pra<br />

você. Ele me disse isso hoje...<br />

Ela não entendia o que o céu significava para mim. Se encostava perto <strong>de</strong><br />

mim, pegava nas minhas mãos e falava tentando me animar. Seu rosto estava<br />

abatido e emagrecido.<br />

— Olhe, Zezé, daqui a pouco você estará bom. Soltando papagaios,<br />

ganhando rios <strong>de</strong> bola <strong>de</strong> gu<strong>de</strong>, subindo nas árvores, montando no Minguinho.<br />

Quero ver você o mesmo, cantando as canções, me trazendo folhetos <strong>de</strong> músicas.<br />

Tanta coisa bonita. Você viu como a rua anda triste? Todo mundo sente falta <strong>de</strong> sua<br />

vida e da sua alegria na rua... Mas você tem que ajudar. Viver, viver e viver.<br />

— Sabe, Godóia, eu não quero mais. Se eu ficar bom, vou ser ruim <strong>de</strong> novo.<br />

Você não enten<strong>de</strong>. Mas eu não tenho mais para quem ficar bonzinho.<br />

— Pois não precisa ficar tão bonzinho. Seja menino, seja criança como<br />

sempre foi.<br />

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