José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
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— Pois então, você é o Xururuquinha. Não posso querer a você com mais<br />
amiza<strong>de</strong>, como você faz comigo?<br />
— Não fale assim. O médico me proibiu <strong>de</strong> chorar e <strong>de</strong> ficar emocionado.<br />
— Nem eu quero isso. Eu vim porque estava com muita sauda<strong>de</strong> e quero ver<br />
você bom e alegre <strong>de</strong> novo. Na vida tudo passa. Tanto que vim para levar você a<br />
passear. Vamos?<br />
— Estou muito fraco.<br />
— Um pouco <strong>de</strong> ar livre, cura você. Eu ajudo para que pule a janela.<br />
E saímos.<br />
— Aon<strong>de</strong> vamos?<br />
— Vamos passear no encanamento.<br />
— Mas eu não quero ir pela Rua Barão <strong>de</strong> Capanema. Nunca mais eu vou<br />
passar por lá.<br />
— Vamos pela Rua dos Açu<strong>de</strong>s até o fim.<br />
Já agora Minguinho se transformara num cavalo que voava. No meu ombro,<br />
Luciano se equilibrava feliz.<br />
No encanamento Minguinho me <strong>de</strong>u a mão para que eu me equilibrasse nos<br />
grossos canos. Era gostoso quando havia um buraco e a água espirrava como<br />
fontezinha, molhando a gente e fazendo cócegas na sola dos <strong>pé</strong>s. Sentia um pouco<br />
<strong>de</strong> tontura, mas a alegria que Minguinho estava me proporcionando dava a<br />
impressão <strong>de</strong> que já ficara bom. Pelo menos meu coração batia leve.<br />
De repente, um apito apitou longe.<br />
— Você ouviu, Minguinho?<br />
— É uma apito <strong>de</strong> trem ao longe.<br />
Mas um estranho ruído veio se achegando e novos apitos cortavam a solidão.<br />
O horror me atingiu todo.<br />
— É ele, Minguinho. O Mangaratiba. O assassino.<br />
E o barulho das rodas sobre os trilhos crescia assustadoramente.<br />
— Sobe aqui, Minguinho. Sobe <strong>de</strong>pressa, Minguinho.<br />
Minguinho não conseguia se equilibrar no cano por causa das esporas<br />
brilhantes.<br />
— Sobe, Minguinho, me dá a mão. Ele quer matar você. Ele quer matar<br />
você. Ele quer esmagar você. Quer cortar você em pedaços.<br />
Mal Minguinho trepara no cano e o trem malvado passou por nós apitando e<br />
soltando fumaceira.<br />
— Assassino!... Assassino!...<br />
Entretanto o trem continuava rápido sobre os trilhos. Sua voz vinha<br />
entrecortada <strong>de</strong> gargalhadas.<br />
— Eu não sou culpado... Eu não fui culpado... Eu não sou culpado... Eu não<br />
fui culpado...<br />
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