José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Não passava ninguém, só o tempo. Mas acabou passando. Lá vinha seu<br />
Paixão, o carteiro. Cumprimentou Glória, tirou o quepe e se prontificou a, nos<br />
acompanhar.<br />
Glória beijou Luís e me beijou. Comovida, perguntou sorrindo:<br />
— E aquele negócio <strong>de</strong> soldado raso e <strong>de</strong> perneira...<br />
— É mentira. Não foi <strong>de</strong> coração. Você vai casar com um major <strong>de</strong><br />
aeroplano cheio <strong>de</strong> estrelinha no ombro.<br />
— Por que vocês não foram com Totóca?<br />
— Totóca disse que não ia lá. E que não estava disposto a rebocar<br />
“bagagem”.<br />
Saímos. Seu Paixão mandava a gente andar na frente e ia entregar carta nas<br />
casas. Depois apressava o passo e pegava a gente. Tornava a repetir a ação,<br />
seguidamente. Quando chegamos na Rio-São Paulo ele riu e falou:<br />
— <strong>Meu</strong>s filhos. Estou com muita pressa. Vocês estão atrasando o meu<br />
serviço. Agora vocês vão por ali, que não tem perigo algum.<br />
Saiu, apressado, com o maço <strong>de</strong> cartas e pa<strong>pé</strong>is <strong>de</strong>baixo do braço.<br />
Pensei, <strong>rev</strong>oltado.<br />
— Covar<strong>de</strong>! Abandonar duas criancinhas na estrada <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter prometido<br />
a Glória que levava a gente.<br />
Peguei a mãozinha <strong>de</strong> Luís com mais força e continuamos a andar. O cansaço<br />
começava a se manifestar nele. Cada vez diminuía os passos.<br />
— Vamos, Luís. Está pertinho. Tem muito brinquedo. Ele andava um pouco<br />
mais <strong>de</strong>pressa e voltava a atrasar.<br />
— Zezé, estou cansado.<br />
— Vou carregar você um pedacinho, quer? Ele abriu os braços e o carreguei<br />
um pouco. Arre que ele pesava como chumbo. Quando chegamos na Rua do<br />
Progresso quem estava bufando era eu.<br />
— Agora você anda mais um pedacinho.<br />
O relógio da igreja bateu oito horas.<br />
— E agora? Era para a gente estar lá às sete e meia. Mas não faz mal, tem<br />
muita gente e vai sobrar brinquedo. Tem um caminhão cheio.<br />
— Zezé, meu <strong>pé</strong> está doendo.<br />
Abaixei.<br />
— Vou <strong>de</strong>sabotoar um pouco o cordão que melhora.<br />
Íamos cada vez mais <strong>de</strong>vagar. Parecia que o Mercado não chegava nunca. E<br />
<strong>de</strong>pois ainda tínhamos que passar a Escola Pública e virar à direita na Rua do<br />
Cassino Bangu. O pior era o tempo que voava <strong>de</strong> propósito.<br />
Mortos <strong>de</strong> cansaço, chegamos lá. Não havia ninguém. Nem parecia que<br />
houvera distribuição <strong>de</strong> brinquedo. Mas houvera, sim, porque a rua estava cheia <strong>de</strong><br />
papel <strong>de</strong> seda amarrotado. A areia estava toda colorida <strong>de</strong> papel rasgado.<br />
25