José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
José Mauro de Vasconcelos - Meu pé de laranja-lima (pdf)(rev)
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Compraram remédios, mas eu continuava vomitando. Foi então que<br />
aconteceu uma coisa linda. A rua se movimentou para me visitar. Esqueceram que<br />
eu era o diabo em figura <strong>de</strong> gente.<br />
Veio seu Miséria e Fome e me trouxe doce <strong>de</strong> maria-mole. A Nega Efigênia<br />
me trouxe ovos e me rezou a barriga para <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> vomitar.<br />
— O filho <strong>de</strong> seu Paulo está morrendo...<br />
Me diziam coisas agradáveis.<br />
— Você precisa ficar bom, Zezé. Sem você e suas diabruras a rua fica uma<br />
tristeza.<br />
Dona Cecília Paim veio me ver, trazendo a minha sacolinha e uma flor.<br />
Aquilo só serviu para voltar a chorar <strong>de</strong> novo.<br />
Ela contava como eu saíra da aula e só sabia daquilo. Mas tristeza gran<strong>de</strong><br />
mesmo foi quando surgiu seu Ariovaldo. Eu reconheci sua voz e fingi que dormia.<br />
— O senhor espera lá fora até que ele acor<strong>de</strong>.<br />
Ele sentou e ficou falando para Glória.<br />
— Escute, Dona, vim por todo canto perguntando pela casa até que <strong>de</strong>scobri.<br />
Fungou gran<strong>de</strong>mente.<br />
— <strong>Meu</strong> santinho não po<strong>de</strong> morrer, não. Num <strong>de</strong>ixe, Dona. Era para a senhora<br />
que ele trazia os meus folhetos, num era?<br />
Glória quase não podia respon<strong>de</strong>r.<br />
— Num <strong>de</strong>ixe não Dona, esse bichinho morrer. Se assuce<strong>de</strong> qualquer coisa<br />
com ele, nunca mais que venho nesse subúrbio <strong>de</strong>sgraçado.<br />
Quando ele entrou no quarto, se sentou perto da cama e ficou encostando<br />
minha mão no seu rosto.<br />
— Espie, Zezé. Você precisa ficar bom e ir cantar mais eu. Quase não tenho<br />
vendido nada. Todo mundo pergunta. Ei, Ariovaldo, cadê o teu canarinho? Você<br />
promete que vai ficar sãozinho, promete?<br />
<strong>Meu</strong>s olhos ainda tiveram forças para se encher e vendo que eu não <strong>de</strong>via<br />
mais ficar emocionado Glória levou seu Ariovaldo embora.<br />
Comecei a melhorar. Já conseguia engolir alguma coisa e sustentar no<br />
estômago. A febre só aumentava e os vômitos voltavam trazendo os tremores e o<br />
suor frio, quando eu me lembrava mais. Não podia às vezes <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ver o<br />
Mangaratiba voando e esmagando ele. Pedia ao Menino Deus, se é que ele se<br />
importava alguma vez comigo, para que ele não tivesse sentido nada.<br />
Vinha Glória e passava as mãos na minha cabeça.<br />
— Não chore, Gum. Tudo isso vai passar. Se você quer, eu dou minha<br />
mangueira todinha para você. Ninguém nunca vai mexer com ela.<br />
Mas <strong>de</strong> que me servia uma mangueira velha, sem <strong>de</strong>ntes, que não sabia mais<br />
dar manga? Até meu <strong>pé</strong> <strong>de</strong> Laranja Lima logo, logo per<strong>de</strong>ria o encanto e tornar-seia<br />
uma árvore como outra qualquer... Isso se <strong>de</strong>ssem tempo ao pobrezinho.<br />
112