Reflexões Sobre o Amor na Vita Nuova de Dante Alighieri
Reflexões Sobre o Amor na Vita Nuova de Dante Alighieri
Reflexões Sobre o Amor na Vita Nuova de Dante Alighieri
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Capítulo II – ALGUNS LUGARES ESPECULATIVOS DA REFLEXÃO TEOLÓGICA SOBRE O AMOR<br />
_______________________________________________________________________________________<br />
Ad primum ergo dicendum quod amor non dividitur per amicitiam et concupiscentiam, sed<br />
per amorem amicitiae et concupiscentiae. Nam ille proprie dicitur amicus, cui aliquod bonum<br />
volumus; illud autem dicimur concupiscere, quod volumus nobis. 47<br />
A distinção operada vai permitir a S. Tomás <strong>de</strong> Aquino realizar uma<br />
convergência do amor com a mensagem do cristianismo e a partir daqui com a<br />
caritas. Com efeito, o amor <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> apresentando-se como um amar do outro<br />
em si mesmo, <strong>de</strong>sejando-lhe um bem que é um bem em função daquele que é<br />
amado e não em função daquele que ama, aproxima-se do preceito cristão <strong>de</strong><br />
amar ao próximo como a si mesmo e aproxima-se da própria forma <strong>de</strong> amar a<br />
Deus, isto é, da caritas. Por outras palavras, o amor <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> enquanto<br />
possibilida<strong>de</strong> que é da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> amar do homem é, <strong>de</strong> algum modo, uma<br />
forma <strong>de</strong> amor semelhante ao amor pelo qual Deus amou primeiro o homem 48 . Há<br />
por isso uma continuida<strong>de</strong> entre o amor humano e o amor divino que é assumida<br />
<strong>de</strong> um modo diferente daquele que encontrámos em Guilherme <strong>de</strong> S. Thierry e <strong>de</strong><br />
Ber<strong>na</strong>rdo <strong>de</strong> Claraval. Para estes três autores, o amor é um sentimento que<br />
permite ligar dois planos separados por uma diferença <strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza, como o são o<br />
plano humano e o plano divino. Enquanto que em Guilherme <strong>de</strong> S. Thierry e<br />
Ber<strong>na</strong>rdo Claraval é porque o amor humano po<strong>de</strong> evoluir ao longo <strong>de</strong> diferentes<br />
graus até se transformar num amor semelhante ao amor <strong>de</strong> Deus – Guilherme <strong>de</strong><br />
S. Thierry – e capaz <strong>de</strong> conduzir até Deus – Guilherme <strong>de</strong> S. Thierry e Ber<strong>na</strong>rdo<br />
<strong>de</strong> Claraval –, em S. Tomás <strong>de</strong> Aquino o amor, quando amor <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> é<br />
revelador <strong>de</strong> uma capacida<strong>de</strong> inerente ao homem e pela qual o seu amor se<br />
aproxima do amor próprio <strong>de</strong> Deus.<br />
47 TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica, vol. III, q.26, art.4, S.Paulo, Ed. Loyola, 2003, p.341-342.<br />
48 A amiza<strong>de</strong> constituiu um objecto <strong>de</strong> tratamento recorrente por parte dos teólogos medievais. Até ao século<br />
XIII esse tratamento teve como referência a obra <strong>de</strong> Cícero “De amicitia”, a partir do século XIII e com a<br />
tradução da “Ética a Nicómaco”, Aristóteles vai constituir-se como o autor que vai influenciar os teólogos<br />
medievais como é o caso <strong>de</strong> S. Tomás <strong>de</strong> Aquino. A influência <strong>de</strong> Aristóteles foi <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>nte uma vez que<br />
nos livros VIII e IX <strong>de</strong> “Ética a Nicómaco” a amiza<strong>de</strong> é tratada como uma forma <strong>de</strong> amor. Se as reflexões até<br />
aí realizadas sempre se mantiveram numa zo<strong>na</strong> on<strong>de</strong> por vezes se permitia que a amiza<strong>de</strong> fosse entendida<br />
como tal, é só <strong>na</strong> sequência da influência da obra aristotélica que esta ligação da amiza<strong>de</strong> ao amor se tor<strong>na</strong><br />
evi<strong>de</strong>nte, o que permitiu a exploração que <strong>de</strong>la foi feita por S. Tomás <strong>de</strong> Aquino ainda que num sentido<br />
completamente diferente daquele que se encontra <strong>na</strong> obra <strong>de</strong> Aristóteles. A este propósito ver PIERRE<br />
ROUSSELOT Pour l’histoire <strong>de</strong> L’amour au Moyen Âge. ed. cit., p. 23-32.<br />
32