Reflexões Sobre o Amor na Vita Nuova de Dante Alighieri
Reflexões Sobre o Amor na Vita Nuova de Dante Alighieri
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Capítulo IV – O AMOR NA VITA NUOVA DE DANTE ALIGHIERI<br />
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por esse motivo, só po<strong>de</strong> ser um mau amor, um amor capaz <strong>de</strong> separar o sujeito<br />
do verda<strong>de</strong>iro amor, daquele que é vivido <strong>de</strong> acordo com o “conselho da razão”. É<br />
assim que <strong>Dante</strong> associa à vivência <strong>de</strong>sta experiência amorosa que ocorre <strong>de</strong>pois<br />
da morte <strong>de</strong> Beatriz uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> recrimi<strong>na</strong>ção que é, compreensivelmente,<br />
uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> auto-recrimi<strong>na</strong>ção.<br />
A ausência do conselho da razão é pois o elemento em função do qual se<br />
processa a distinção entre um bom amor e um mau amor, que é também a<br />
distinção entre dois modos <strong>de</strong> amar: o amar <strong>de</strong> acordo com o apetite, <strong>de</strong> acordo<br />
com o <strong>de</strong>sejo, e o amar <strong>de</strong> acordo com o conselho da razão.<br />
Neste episódio <strong>de</strong> <strong>Vita</strong> <strong>Nuova</strong> é o contraste entre estas duas formas <strong>de</strong><br />
amar, que <strong>Dante</strong> a<strong>na</strong>lisa também da perspectiva da oposição entre amar <strong>de</strong><br />
acordo com o coração e amar <strong>de</strong> acordo com a alma 126 , que surge evi<strong>de</strong>nciado,<br />
sendo claro o partido tomado pela segunda forma <strong>de</strong> amar e que correspon<strong>de</strong> à<br />
sua forma <strong>de</strong> amar Beatriz. É pois com alívio que <strong>na</strong> sequência <strong>de</strong> uma visão da<br />
“gloriosa Beatriz com aquelas vestes sanguíneas com que me apareceu <strong>na</strong><br />
primeira vez”, <strong>Dante</strong> se vê <strong>de</strong> novo a pensar <strong>na</strong> sua nobilíssima dama, revivendo<br />
todo o tempo passado. Se por um lado este reviver tem como consequência o<br />
reacen<strong>de</strong>r do «apaziguado pranto», em que a atracção pela gentil dama o fizera<br />
cair, por outro lado permite-lhe o arrependimento da situação a que o <strong>de</strong>sejo o<br />
conduzira “contra a constância da razão”.<br />
O contraste entre estas duas formas <strong>de</strong> amar será retomado <strong>na</strong> Divi<strong>na</strong><br />
Comédia, primeiro no Inferno, no Canto V, a propósito da relação entre Francesca<br />
da Rimini e Paolo Malatesta, apresentados como exemplos <strong>de</strong> pecadores car<strong>na</strong>is<br />
porque submeteram a razão ao apetite, e <strong>de</strong>pois no Purgatório, no Canto XVIII,<br />
consi<strong>de</strong>rado o Canto on<strong>de</strong> surge a doutri<strong>na</strong> dantesca do <strong>Amor</strong>. Aí, o tema do<br />
conselho da razão presente no modo como o amor <strong>de</strong>ve ser experienciado será<br />
retomado. A razão surge apresentada como «in<strong>na</strong>ta v’é la virtu che consiglia» 127 .<br />
Um conselho que surge legitimado pela <strong>na</strong>tureza que lhe é conferida enquanto<br />
faculda<strong>de</strong> que ajuíza, que discerne, que fundamenta o acto <strong>de</strong> julgar e portanto o<br />
conselho, e que <strong>de</strong>ste modo é capaz <strong>de</strong> permitir que o apetite permaneça no<br />
limiar do acto <strong>de</strong> amar, impedindo que este seja <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do pelo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />
126 DANTE.<strong>Vita</strong> <strong>Nuova</strong>, Cap. XXXVIII, 5-6, p. 229-230.<br />
127 DANTE. Divi<strong>na</strong> Comédia, Purgatório, Canto XVIII, v. 62, Lisboa, Bertrand Editora, 1995, p.456.<br />
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