Reflexões Sobre o Amor na Vita Nuova de Dante Alighieri
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Capítulo III – DANTE ALIGHIERI: UM PENSADOR LAICO NA IDADE MÉDIA<br />
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outro <strong>de</strong>fendiam uma separação metódica entre Teologia e Filosofia e<br />
reivindicavam uma autonomia da filosofia enquanto saber humano.<br />
Uma passagem da obra <strong>de</strong> Boécio <strong>de</strong> Dácia, De Aeternitate mundi, ilustra o<br />
alcance e sentido <strong>de</strong>sta autonomia:<br />
Ex his ergo apparet philosophum dicere aliquid esse possibile vel impossibile, hoc<br />
est illud dicere esse possibile vel impossibile per rationes investigabiles ab homine. Statim enim<br />
quando aliquis dimittit rationes, cessat esse philosophus, nec innititur philosophia revelationibus et<br />
miraculis. Cum ergo tu ipse dicis et dicere <strong>de</strong>bes multa esse vera, quae tamem, si non affirmes<br />
vera nisi quantum ratio huma<strong>na</strong> te inducere potest, illa numquam conce<strong>de</strong>re <strong>de</strong>bes, sicut est<br />
resurrectio hominum quam ponit fi<strong>de</strong>s – et bene; in talibus enim creditur auctoritati divi<strong>na</strong>e et non<br />
rationi huma<strong>na</strong>. 63<br />
Esta autonomização da Filosofia foi acompanhada por uma valorização do<br />
estatuto do homem laico que se foi tor<strong>na</strong>ndo cada vez mais evi<strong>de</strong>nte.<br />
Durante a Ida<strong>de</strong> Média os termos clérigo, clericus, e laico, laicus,<br />
<strong>de</strong>sig<strong>na</strong>vam muito mais que a diferença entre cristãos com modos <strong>de</strong> vida<br />
diferentes: um <strong>de</strong>dicado à vida eclesiástica e outro <strong>de</strong>dicado às activida<strong>de</strong>s<br />
temporais. Nesta diferença estava contida também uma diferença <strong>na</strong> instrução.<br />
Assim, o termo clericus <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>va o homem instruído, aquele que possuía o<br />
saber, enquanto que o laicus <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>va aquele que não era um clérigo, aquele<br />
que não tinha letras, aquele que não tinha cultura. Alexandre Minorita, um<br />
franciscano do início do século XIII, apresentou o laico como um homo nullius<br />
sacri ordinis nullaque liberati arte instructus 64 .<br />
Contudo esta distinção não <strong>de</strong>ve permitir que se conclua acerca do<br />
<strong>de</strong>sinteresse dos laicos pelo saber. Na obra já referenciada, Ruedi Imbach<br />
procura mostrar como, durante a Ida<strong>de</strong> Média, e sobretudo a partir da primeira<br />
meta<strong>de</strong> do século XIII, os laicos nunca estiveram distanciados do saber, primeiro<br />
como seus receptores, <strong>de</strong>pois como aqueles que o “encomendavam” e por último<br />
como autores. Com efeito, não só há a <strong>de</strong>stacar entre as obras escritas por<br />
clérigos muitas que se dirigem <strong>de</strong> um modo específico aos laicos, como há obras<br />
escritas por clérigos a pedido <strong>de</strong> laicos, havendo ainda laicos que escrevem para<br />
63 BOÉCIO DE DÁCIA. De aerternitate mundi, Lisboa, Ed. Colibri, 1996, p.78.<br />
64 Apud, IMBACH, Ruedi. <strong>Dante</strong>, la philosophie et les laics, ed. cit., p. 13.<br />
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