Reflexões Sobre o Amor na Vita Nuova de Dante Alighieri
Reflexões Sobre o Amor na Vita Nuova de Dante Alighieri
Reflexões Sobre o Amor na Vita Nuova de Dante Alighieri
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Capítulo V – VITA NUOVA E A REFLEXÃO TEOLÓGICA SOBRE O AMOR<br />
_______________________________________________________________________________________<br />
Com efeito, apesar <strong>de</strong> se situarem em planos diferentes, um laico e outro<br />
teológico, e <strong>de</strong> se reportarem a amores diferentes, o amor humano e o amor<br />
divino, há entre os discursos dos dois autores uma atmosfera semelhante no que<br />
se refere à vivência do estado <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> resultante da experiência amorosa.<br />
Por outras palavras, a atmosfera sentida no discurso <strong>de</strong> <strong>Dante</strong> está mais próxima<br />
da <strong>de</strong> Ber<strong>na</strong>rdo <strong>de</strong> Claraval do que da <strong>de</strong> André Capelão. Veja-se a seguinte<br />
passagem do De <strong>Amor</strong>e:<br />
<strong>Amor</strong> est passio quedam in<strong>na</strong>ta proce<strong>de</strong>ns ex visione et immo<strong>de</strong>rata cogitatione alterius<br />
sexus, ob quam aliquis super omnia cupit alterius potiri amplexibus et omnia <strong>de</strong> utriusque voluntate<br />
in ipsius amplexu amoris praecepta compleri. (…) Quod autem illa passio sit in<strong>na</strong>ta, manifesta tibi<br />
ratione ostendo, quia passio illa ex nulla oritur actione subtiliter veritate inspecta; sed ex sola<br />
cogitatione quam concipit animus ex eo quod vidit passio illa procedit. Nam quum aliquis vi<strong>de</strong>t<br />
aliquam aptam amori et suo formatam arbítrio, statim eam incipit concupiscere cor<strong>de</strong>; postea vero<br />
quotiens <strong>de</strong> ipsa cogitat, totiens eius magis ar<strong>de</strong>scit amore, quousque ad cogitatem <strong>de</strong>venerit<br />
pleniorem. Postmodum mulieris incipit cogitare facturas, et eius distinguire membra suosque actus<br />
imagi<strong>na</strong>ri eiusque corporis secreta rimari membri officio <strong>de</strong>si<strong>de</strong>rat perpotiri 187 .<br />
Apesar <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar que a presença do amor cortês <strong>na</strong> <strong>Vita</strong> <strong>Nuova</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Dante</strong> <strong>Alighieri</strong> não po<strong>de</strong> ser negada, e ao longo do trabalho foram várias as<br />
referências feitas a esta presença, consi<strong>de</strong>ra-se que a história <strong>de</strong> amor que é<br />
contada veicula uma <strong>na</strong>rrativa e até uma vivência do amor que se aproxima da<br />
dos teólogos medievais 188 , uma aproximação que po<strong>de</strong> ser registada também no<br />
que diz respeito à <strong>na</strong>tureza do <strong>de</strong>sejo que é o amor.<br />
A reflexão que durante a Ida<strong>de</strong> Média foi realizada sobre o amor a partir do<br />
domínio da teologia po<strong>de</strong> ser estruturada em torno <strong>de</strong> uma dicotomia que<br />
distinguia entre um amor bom e um amor mau. Ao longo da Ida<strong>de</strong> Média esta<br />
dicotomia foi assumindo várias formas: caritas e cupiditas, amor <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> e<br />
amor <strong>de</strong> concupiscência. A primeira dicotomia que fora estabelecida ainda por<br />
Santo Agostinho 189 , distinguia entre um amor como um <strong>de</strong>sejo dirigido para baixo,<br />
para as coisas terre<strong>na</strong>s – cupiditas; e um amor como um <strong>de</strong>sejo dirigido para<br />
cima, para Deus – a caritas. Caritas vai <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>r ao longo da Ida<strong>de</strong> Média a forma<br />
187 ANDRÉ CAPELÃO.De <strong>Amor</strong>e, Valleorba Ed., S.A., Barcelo<strong>na</strong>, 1984, p.54-56.<br />
188 Como se po<strong>de</strong>rá ver através dos aspectos que serão a<strong>na</strong>lisados posteriormente.<br />
189 Cf. ARENDT, Han<strong>na</strong>h. O conceito <strong>de</strong> <strong>Amor</strong> em Santo Agostinho, ed. cit., p. 25-39.<br />
89