Reflexões Sobre o Amor na Vita Nuova de Dante Alighieri
Reflexões Sobre o Amor na Vita Nuova de Dante Alighieri
Reflexões Sobre o Amor na Vita Nuova de Dante Alighieri
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Capítulo IV – O AMOR NA VITA NUOVA DE DANTE ALIGHIERI<br />
_______________________________________________________________________________________<br />
<strong>na</strong>tural, localizado «on<strong>de</strong> se elabora o nosso alimento», expressa-se em lágrimas.<br />
Veiculando concepções médico-fisiológicas então em voga, atribuídas a Galeno,<br />
mas que terá conhecido sobretudo a partir do texto <strong>de</strong> Alberto Magno, De spiritu<br />
et respiratione, <strong>Dante</strong> procura a explicação para as alterações que em si foram<br />
origi<strong>na</strong>das pela visão <strong>de</strong> Beatriz. Tais alterações, ao serem apresentadas como<br />
alterações que ocorrem nos espíritos que constituem o mundo interior do<br />
<strong>na</strong>rrador, revelam, no enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Rita Marnoto, a cisão e a <strong>de</strong>sperso<strong>na</strong>lização a<br />
que o amante fica submetido sob o domínio do <strong>Amor</strong>, uma i<strong>de</strong>ia que a mesma<br />
autora consi<strong>de</strong>ra ser, sob o ponto <strong>de</strong> vista estilístico-literário, tipicamente<br />
cavalcantia<strong>na</strong> 154 . Ainda a mesma autora, no estudo referenciado, chama a<br />
atenção para a «dramatização» que caracteriza esta passagem <strong>na</strong> qual cada um<br />
dos espíritos tem uma reacção e para além <strong>de</strong>sta reacção, profere uma sentença.<br />
Assim, o espírito vital que <strong>de</strong> acordo com o texto <strong>de</strong> Alberto Magno se localiza no<br />
coração e propaga-se através das artérias, treme e profere a sentença: «Ecce<br />
<strong>de</strong>us fortior me, qui veniens domi<strong>na</strong>bitur michi» 155 ; por seu lado, o espírito animal,<br />
situado no cérebro, parte do corpo on<strong>de</strong> convergem e para on<strong>de</strong> são transmitidas<br />
as sensações captadas através dos órgãos sensoriais, espanta-se perante a<br />
visão da mulher amada e diz: «Apparuit jam beatitudo vestra» 156 ; fi<strong>na</strong>lmente, o<br />
espírito <strong>na</strong>tural, relacio<strong>na</strong>do com o fígado ou o estômago, chora proferindo a<br />
afirmação: «Heu miser! quia frequenter impeditus ero <strong>de</strong>inceps». 157<br />
De salientar, no que acabou <strong>de</strong> ser referido, dois aspectos: em primeiro<br />
lugar, o facto das falas <strong>de</strong>stes espíritos se terem realizado em latim, em segundo<br />
lugar, o facto das duas primeiras falas se aproximarem <strong>de</strong> texto bíblico. Para Rita<br />
Marnoto estes aspectos são indicadores <strong>de</strong> que através da contemplação da<br />
mulher amada, será possível ascen<strong>de</strong>r a um grau <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong> e conhecimento<br />
superior 158 . Contudo, encarando a passagem como um momento em que o sujeito<br />
da experiência amorosa procura explicar o estado interior que a visão <strong>de</strong> Beatriz o<br />
faz viver, po<strong>de</strong>rá perguntar-se se não haverá neste recurso ao latim e a<br />
expressões que <strong>de</strong>calcam fontes bíblicas, um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> reabilitação da<br />
154<br />
MARNOTO, Rita. A <strong>Vita</strong> Nova <strong>de</strong> <strong>Dante</strong> <strong>Alighieri</strong>, Deus, o <strong>Amor</strong> e a Palavra, ed. cit., p. 154.<br />
155<br />
DANTE.<strong>Vita</strong> <strong>Nuova</strong>, cap. II, 5, p.31.<br />
156<br />
I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, cap. II, 6, p.32.<br />
157<br />
DANTE. <strong>Vita</strong> <strong>Nuova</strong>, cap. II, 7,p.32.<br />
158<br />
MARNOTO, Rita. A <strong>Vita</strong> Nova <strong>de</strong> <strong>Dante</strong> <strong>Alighieri</strong>, Deus, o <strong>Amor</strong> e a Palavra, ed. cit., p. 155.<br />
75