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Direito à memória e à verdade - Ministério da Justiça

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COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS<br />

Conhecido como Bacuri, Eduardo Leite tinha sido <strong>da</strong> VPR e liderou uma pequena organização clandestina de oposição arma<strong>da</strong>, denomina<strong>da</strong><br />

Rede – Resistência Democrática, que se incorporou em 1970 <strong>à</strong> ALN. Foi preso no Rio de Janeiro em 21/08/1970. Seu caso foi escolhido para<br />

ser o primeiro a ser colocado em julgamento pela CEMDP, em função dos testemunhos e documentos que comprovam a premeditação de<br />

sua morte, conforme registrado no Dossiê dos Mortos e Desaparecidos.<br />

Mineiro de Campo Belo, estudou em São Paulo e, muito jovem, ligou-se <strong>à</strong> Polop. Em 1967, foi incorporado ao Exército, servindo na 7ª Com-<br />

panhia de Guar<strong>da</strong> e, posteriormente, no Hospital do Exército, no bairro do Cambuci, em São Paulo. Técnico em telefonia, era casado com<br />

Denise Crispim, grávi<strong>da</strong> quando de sua prisão. A filha, Eduar<strong>da</strong>, nasceu meses depois, na Itália, onde a mãe decidiu se refugiar. Denise era<br />

irmã de Joelson Crispim, cuja morte já foi relata<strong>da</strong> neste livro-relatório, e filha do deputado constituinte pelo Partido Comunista, em 1946,<br />

José Maria Crispim. Os agentes dos órgãos de segurança do regime militar não escondiam, a respeito de Bacuri, uma atitude de temor que<br />

se apoiava na lista de operações arma<strong>da</strong>s em que tinha participado, incluindo dois seqüestros de diplomatas, o do cônsul japonês em São<br />

Paulo e do embaixador alemão no Brasil.<br />

Preso no Rio de Janeiro pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, foi levado para uma residência particular utiliza<strong>da</strong> como cárcere clandestino,<br />

em São Conrado. Ali estava preso Ottoni Guimarães Fernandes Júnior, também militante <strong>da</strong> ALN, que denunciou o fato em depoimento <strong>à</strong><br />

Auditoria Militar. Eduardo foi levado a São Paulo, voltou ao Rio de Janeiro e retornou novamente <strong>à</strong> capital paulista, onde, em outubro, foi<br />

colocado na cela 4 do compartimento conhecido como fundão do DOPS/SP, onde as celas eram totalmente isola<strong>da</strong>s.<br />

No dia 25 de outubro, a imprensa divulgou amplamente as notas oficiais anunciando a morte de Joaquim Câmara Ferreira, principal dirigen-<br />

te <strong>da</strong> ALN, sendo que a informação farsante mencionava que, no momento <strong>da</strong> prisão de Câmara, Eduardo Leite havia fugido. O coman<strong>da</strong>nte<br />

<strong>da</strong> tropa de choque do DEOPS, tenente Chiari, <strong>da</strong> PM paulista, mostrou a Eduardo, no dia 25, os jornais que noticiavam sua fuga. Cerca de<br />

50 presos políticos que se encontravam no DOPS compreenderam que a falsa informação era a sentença de morte de Bacuri e passaram a<br />

manter vigília permanente.<br />

Para facilitar a retira<strong>da</strong> de Eduardo de sua cela, o delegado Luiz Gonzaga dos Santos Barbosa, responsável pela carceragem do DOPS, rema-<br />

nejou os presos, mantendo Bacuri em uma cela longe <strong>da</strong> observação dos demais. As dobradiças e fechaduras foram lubrifica<strong>da</strong>s, de forma<br />

a evitar qualquer ruído. Aos 50 minutos do dia 27 de outubro, três dias depois de sua fuga ter sido oficialmente divulga<strong>da</strong>, Eduardo foi<br />

retirado <strong>da</strong>li sob gritos de protestos dos demais presos.<br />

A partir <strong>da</strong>í, informa Elio Gaspari em A Ditadura Escancara<strong>da</strong>: “Bacuri chegou ao forte dos Andra<strong>da</strong>s, no Guarujá, dentro de um saco de<br />

lona. Trancaram-no numa pequena solitária ergui<strong>da</strong> na praia do Bueno e depois levaram-no para um túnel do depósito de munições, a três<br />

quilômetros de distância. Era certo que se houvesse algum seqüestro de diplomata, ele entraria na lista de presos a serem libertados. No dia 8<br />

de dezembro, passa<strong>da</strong>s menos de 24 horas do seqüestro, no Rio de Janeiro, do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, uma Veraneio esta-<br />

cionou na entra<strong>da</strong> do depósito. Dela saltaram um major e dois tenentes. Foram ao banheiro onde Bacuri estava trancado e disseram-lhe que<br />

iam levá-lo ao hospital militar. Um sol<strong>da</strong>do aju<strong>da</strong>va-o a encostar-se na pia para lavar-se quando o major mandou que saísse: ‘Escutei uma<br />

panca<strong>da</strong>. Não sei se era tiro ou o barulho de uma cabeça batendo na parede. Só sei que logo depois o corpo dele foi retirado do banheiro no<br />

mesmo saco de lona em que chegou’ (narrativa do sol<strong>da</strong>do Rinaldo Campos de Carvalho). A polícia paulista informou que Bacuri, localizado,<br />

‘ofereceu tenaz resistência a tiros’. Tinha 25 anos, e seu corpo foi abandonado no cemitério de Areia Branca, em Santos, com dois tiros no<br />

peito, um na têmpora e outro no olho direito”.<br />

O exame necroscópico assinado pelos legistas Aloysio Fernandes e Décio Brandão Camargo confirma a versão farsante de tiroteio. O corpo<br />

foi entregue <strong>à</strong> família e continha hematomas, queimaduras e escoriações. Muitos anos mais tarde, com a abertura dos arquivos do DOPS<br />

de Pernambuco, foi possível comprovar a falsi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> suposta fuga. Foi encontra<strong>da</strong> transcrição de uma mensagem assina<strong>da</strong> pelo chefe <strong>da</strong><br />

2ª seção do II Exército coronel Erar de Campos Vasconcelos. Nela, o DOPS comunica a prisão de Joaquim Câmara Ferreira, informando que<br />

tinha resistido <strong>à</strong> prisão, vindo a morrer no decorrer <strong>da</strong>s diligências. Continua a mensagem: “Informo ain<strong>da</strong> foi <strong>da</strong>do conhecer repórteres<br />

imprensa fala<strong>da</strong> escrita seguinte roteiro para ser explorado dentro do esquema montado na área”.

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