Direito à memória e à verdade - Ministério da Justiça
Direito à memória e à verdade - Ministério da Justiça
Direito à memória e à verdade - Ministério da Justiça
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
nesse período histórico. Em 1998, o jornal O Globo recebeu <strong>da</strong> filha do<br />
general Antônio Bandeira, principal chefe militar no Araguaia até ser<br />
substituído por Hugo Abreu, uma cópia do Relatório <strong>da</strong>s Operações<br />
contraguerrilha realiza<strong>da</strong>s pela 3ª Briga<strong>da</strong> de Infantaria no Sudeste<br />
do Pará. Assinado pelo general de Briga<strong>da</strong> Antônio Bandeira, coman<strong>da</strong>nte<br />
<strong>da</strong>quela uni<strong>da</strong>de, esse material traz no timbre <strong>Ministério</strong> do<br />
Exército e Comando Militar do Planalto, sendo <strong>da</strong>tado de Brasília em<br />
30/10/1972. Foi recebido pelo jornalista Amauri Ribeiro Junior e contém<br />
o registro de várias mortes e prisões de guerrilheiros.<br />
Não obstante o silêncio oficial <strong>da</strong>s Forças Arma<strong>da</strong>s, dezenas de<br />
militares que tiveram participação na repressão <strong>à</strong> guerrilha do Araguaia<br />
já prestaram depoimentos e cederam documentos a jornalistas<br />
contendo informações inéditas, fotos e <strong>da</strong>dos esclarecendo<br />
pontos importantes do que falta esclarecer oficialmente. Através<br />
deles, acaba sendo reconstruí<strong>da</strong>, de maneira oficiosa, mesmo que<br />
eiva<strong>da</strong> de contradições, inconsistências e possível intencionali<strong>da</strong>de<br />
de contra-informação, uma narrativa histórica que o Estado<br />
brasileiro ain<strong>da</strong> segue devendo <strong>à</strong> socie<strong>da</strong>de e, em especial, aos familiares<br />
que persistem exigindo, com plena legitimi<strong>da</strong>de, o direito<br />
sagrado e milenar de sepultar seus mortos.<br />
Assim é que, depois de inúmeras publicações sobre o Araguaia,<br />
relaciona<strong>da</strong>s ao final deste livro, incluindo a abrangente série<br />
de quatro volumes sobre a história <strong>da</strong> ditadura, do jornalista<br />
Elio Gaspari, merecem especial atenção dois livros mais recentes,<br />
que chegaram a ser elogiados por alguns militares, que os<br />
sau<strong>da</strong>ram pelo fato de, “pela primeira vez”, ser leva<strong>da</strong> em conta<br />
a versão dos próprios participantes <strong>da</strong> repressão naquele período.<br />
Em 2005, os jornalistas Taís Morais, filha de militar, e<br />
Eumano Silva lançaram Operação Araguaia – os arquivos secretos<br />
<strong>da</strong> guerrilha, contendo exaustiva reconstrução do episódio<br />
histórico, com depoimentos recentes de militares e transcrição<br />
de trechos importantes de documentos que foram guar<strong>da</strong>dos<br />
a salvo, em mãos priva<strong>da</strong>s, <strong>da</strong> suposta destruição de arquivos<br />
que teria sido determina<strong>da</strong> em 1974 pelas mais altas esferas do<br />
regime militar. Em 2006, o jornalista e historiador Hugo Stu<strong>da</strong>rt,<br />
também parente de militares, publicou A Lei <strong>da</strong> Selva, outra<br />
detalha<strong>da</strong> recuperação dos fatos, contendo como diferencial<br />
uma fonte ain<strong>da</strong> inédita, que ele denomina “Dossiê Araguaia”,<br />
produzido por agentes que participaram <strong>da</strong> ação repressiva e<br />
que, certamente, podem ser identificados com relativa facili<strong>da</strong>de<br />
pelos altos comandos, quando houver a decisão de registrar<br />
oficialmente a versão <strong>da</strong>s Forças Arma<strong>da</strong>s.<br />
O episódio histórico do Araguaia entre 1972 e 1974 também já foi<br />
levado <strong>à</strong>s telas do cinema, a partir de 2004, com o filme do diretor<br />
Ronaldo Duque, Araguaya – a conspiração do silêncio, que tem o<br />
ator Norton Nascimento desempenhando o personagem Osvaldão.<br />
| 201 |<br />
COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS<br />
A partir de 15/04/2007, o jornalista Lucas Figueiredo publicou uma<br />
série de reportagens, divulga<strong>da</strong>s simultaneamente pelo Correio<br />
Braziliense e pelo Estado de Minas, com revelações inéditas de um<br />
relatório sobre o qual existiam apenas rumores: o “livro secreto”<br />
do Exército, escrito entre 1986 e 1988 para responder ao projeto<br />
Brasil:Nunca Mais, produzido em 1985 pela Arquidiocese de São<br />
Paulo com ampla radiografia sobre as torturas, mortes e desaparecimentos<br />
que marcaram o regime militar. Uma <strong>da</strong>s reportagens do<br />
jornalista trouxe importantes declarações do ministro do Exército<br />
entre 1985 e 1990, general Leôni<strong>da</strong>s Pires Gonçalves, confirmando<br />
sua responsabili<strong>da</strong>de pelo projeto de publicação, que recebeu o<br />
nome-código Orvil (livro ao contrário), sendo produzido pelo CIE.<br />
O general declara que levou o trabalho ao presidente <strong>da</strong> República<br />
José Sarney, mas decidiu não publicar. Vale ressaltar, para os objetivos<br />
do presente livro-relatório, a cargo <strong>da</strong> CEMDP, que nessa<br />
entrevista a Lucas Figueiredo o general Leôni<strong>da</strong>s declara taxativamente,<br />
a respeito dos arquivos do CIE: “foram queimados coisa<br />
nenhuma”. Nesse denso relatório, de quase mil páginas, constam<br />
informações novas confirmando a morte de pelos menos 16 dos<br />
desaparecidos no Araguaia<br />
Em agosto de 1996, foi apresenta<strong>da</strong> <strong>à</strong> Comissão Interamericana de<br />
<strong>Direito</strong>s Humanos, com sede em Washington, uma petição referente<br />
ao caso dos desaparecidos no Araguaia. Assina<strong>da</strong> pelas enti<strong>da</strong>des<br />
Human Rights Watch/Americas, Grupo Tortura Nunca Mais/RJ,<br />
Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de<br />
São Paulo e Centro pela <strong>Justiça</strong> e pelo <strong>Direito</strong> Internacional-Cejil,<br />
a petição alega violações aos artigos 3º (direito <strong>à</strong> personali<strong>da</strong>de<br />
jurídica), 4º (direito <strong>à</strong> vi<strong>da</strong>), 5º (integri<strong>da</strong>de pessoal), 7º (direito <strong>à</strong><br />
liber<strong>da</strong>de pessoal), 8º (direito de acesso <strong>à</strong> justiça), 12 (liber<strong>da</strong>de<br />
de consciência e de religião), 13 (Liber<strong>da</strong>de de pensamento e de<br />
expressão), e 25 (direito de ser ouvido em prazo razoável), <strong>da</strong> Convenção<br />
Americana sobre os <strong>Direito</strong>s Humanos.<br />
Depois de vários anos de tramitação e após o advento <strong>da</strong> Lei nº<br />
9.140/95, o governo brasileiro argumentou que, entre outras medi<strong>da</strong>s,<br />
já existia no país uma lei assegurando reparação aos familiares<br />
<strong>da</strong>s vítimas e reconhecendo a responsabili<strong>da</strong>de do Estado pelas<br />
mortes e desaparecimentos. Os peticionários contra-argumentaram<br />
que a reparação não podia se restringir ao pagamento em dinheiro,<br />
mas envolvia necessariamente a prestação de informações<br />
sobre as circunstâncias dos desaparecimentos e mortes, bem como<br />
a localização dos corpos e a responsabilização cabível aos perpetradores<br />
de to<strong>da</strong>s aquelas violações de <strong>Direito</strong>s Humanos.<br />
O último relatório apresentado pelo governo brasileiro <strong>à</strong>quela Comissão,<br />
em 07/05/2007, informa sobre uma série de medi<strong>da</strong>s em an<strong>da</strong>mento<br />
a respeito do caso, entre elas a criação do Banco de DNA dos<br />
familiares dos mortos e desaparecidos e a repetição de diligências<br />
na região do Araguaia para localizar restos mortais de guerrilheiros.