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Direito à memória e à verdade - Ministério da Justiça

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DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE<br />

O relatório encerra na página 1058, contando que, naquela <strong>da</strong>ta,<br />

09/11/1972, por decisão do Estado-Maior do Exército, sob a orientação<br />

do general Orlando Geisel, as tropas abandonavam as operações<br />

regulares de combate <strong>à</strong> guerrilha, mas deixa registrado que<br />

não tinham sido eliminados todos os focos de resistência. Permanecem<br />

na área efetivos <strong>da</strong>s polícias militares do Pará, Goiás e Mato<br />

Grosso, sob o comando do Exército sediado em Marabá, além de<br />

agentes de informação.<br />

Operação sucuri<br />

Na <strong>ver<strong>da</strong>de</strong>, tinha início uma etapa intermediária entre a segun<strong>da</strong><br />

e terceira campanhas, em que as forças repressivas optaram por<br />

executar uma ampla e profun<strong>da</strong> operação de inteligência, planeja<strong>da</strong><br />

como preparativo <strong>da</strong> terceira e última investi<strong>da</strong> de contrainsurgência,<br />

a ser lança<strong>da</strong> em 1973.<br />

Não havendo mais segredo sobre sua real identi<strong>da</strong>de política, os<br />

militantes do PCdoB, abrigados na mata, passaram a visitar os povoados<br />

e as famílias para fazer propagan<strong>da</strong> de sua causa e tentar<br />

arregimentar novos combatentes. Anunciaram a criação <strong>da</strong> União<br />

pela Liber<strong>da</strong>de e pelos <strong>Direito</strong>s do Povo (ULDP), cujo programa de<br />

27 pontos propunha reformas sociais para resolver problemas concretos<br />

enfrentados pelos moradores <strong>da</strong> região. Incluía distribuição<br />

de terras, ampliação <strong>da</strong> assistência médica, construção de escolas,<br />

fim <strong>da</strong>s arbitrarie<strong>da</strong>des policiais e proteção <strong>à</strong> mulher. Também previa<br />

a liber<strong>da</strong>de de culto, a eleição livre de prefeitos e de comitês<br />

populares locais, o respeito <strong>à</strong>s terras indígenas e a obrigação do reflorestamento<br />

nas áreas de exploração <strong>da</strong> madeira. Foram criados<br />

alguns núcleos dessa UDLP. Embora esse trabalho político contasse<br />

com a simpatia de muitos moradores, não se refletiu em recrutamentos<br />

expressivos. Por outro lado, os militantes estavam isolados<br />

<strong>da</strong> estrutura urbana do partido, o que inviabilizava a chega<strong>da</strong> de<br />

novos militantes para repor as baixas. Alguns documentos registram<br />

também a adoção pelos militantes do PCdoB <strong>da</strong> sigla “Foguera”,<br />

significando Forças Guerrilheiras do Araguaia.<br />

Inicia-se um período de quase um ano sem novos ataques <strong>da</strong>s forças<br />

repressivas, de novembro de 1972 a setembro de 1973. Essa<br />

trégua correspondia a uma profun<strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça na estratégia <strong>da</strong>s<br />

Forças Arma<strong>da</strong>s para combater a guerrilha. O tempo foi utilizado<br />

pelos agentes <strong>da</strong> Operação Sucuri, que consistiu no emprego de 53<br />

agentes (21 civis, 7 oficiais, 9 sargentos e 16 sol<strong>da</strong>dos) para um<br />

trabalho de inteligência que consistiu em mapear detalha<strong>da</strong>mente<br />

todo o teatro de operações, investigar com quem os combatentes<br />

<strong>da</strong> guerrilha mantinham contatos e descobrir onde se localizavam<br />

as bases militares dos destacamentos guerrilheiros.<br />

Disfarçados, esses agentes do CIE se fizeram passar por funcionários<br />

<strong>da</strong> Sucem (Superintendência de Combate e Erradicação<br />

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<strong>da</strong> Malária). Com o pretexto de zelar pelas doenças <strong>da</strong> família,<br />

tinham acesso fácil <strong>à</strong> intimi<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> residência. Não usavam<br />

far<strong>da</strong>, vestindo-se <strong>à</strong> paisana, em geral com jeans e camiseta.<br />

Os militares que pertenciam ao Exército montaram uma<br />

empresa de facha<strong>da</strong>, a Agropecuária Araguaia, e circulavam<br />

pelo lugar como se fossem seus empregados. Os <strong>da</strong> Aeronáutica<br />

<strong>da</strong>vam expediente numa falsa mineradora, chama<strong>da</strong> DDP. Não<br />

despertaram suspeita, uma vez que madeireiras e mineradoras<br />

já eram comuns na região.<br />

Outra cobertura era a de falsos técnicos do Incra – Instituto Nacional<br />

de Colonização e Reforma Agrária, capazes de legalizar a<br />

cessão <strong>da</strong> posse de lotes de terra aos interessados. Por exemplo,<br />

Sebastião Rodrigues de Moura, que se tornaria célebre na região<br />

e seria mais conhecido como “Major Curió”, an<strong>da</strong>va pelo Araguaia<br />

como sendo o engenheiro Antônio Luchini, funcionário do órgão.<br />

Com curso de especialização no Centro de Instrução de Guerra na<br />

Selva (CIGS), do Comando Militar <strong>da</strong> Amazônia, ele fez parte de<br />

uma rede de informantes em to<strong>da</strong> a região, cuja estratégia mais<br />

bem sucedi<strong>da</strong> foi a criação de “biroscas” para o fornecimento de<br />

alimentos e munição ao longo do rio Araguaia, onde eram obti<strong>da</strong>s<br />

valiosas informações dos caboclos.<br />

Em outubro, o CIE já possuía um mapa detalhado <strong>da</strong> população local<br />

e até uma ficha sobre 400 moradores <strong>da</strong>s redondezas, contendo<br />

<strong>da</strong>dos que incluíam o possível compromisso com os militantes do<br />

PCdoB e o tipo de apoio que poderiam lhes prestar. Boa parte dos<br />

integrantes <strong>da</strong> organização também havia sido identifica<strong>da</strong>.<br />

Operação marajoara<br />

Teve início, então, a etapa seguinte. Em 07/10/1973, foi desencadea<strong>da</strong><br />

a terceira e última expedição contra a guerrilha. Batiza<strong>da</strong><br />

como Operação Marajoara, essa nova campanha mobilizou, além<br />

do efetivo já presente no local, entre 250 e 750 militares especificamente<br />

treinados para o combate direto aos guerrilheiros na<br />

floresta, sendo apoiados por helicópteros e aviões. A Presidência <strong>da</strong><br />

República, encabeça<strong>da</strong> pelo general Médici, assumiu diretamente<br />

o controle sobre as operações repressivas. A ordem era não fazer<br />

prisioneiros. O comando foi composto por militares <strong>da</strong> Amazônia,<br />

que ficavam nos acampamentos do Exército e <strong>da</strong> Aeronáutica. Suas<br />

reuniões eram realiza<strong>da</strong>s na chama<strong>da</strong> Casa Azul, quartel-general<br />

de to<strong>da</strong>s as operações.<br />

Na cadeia de comando efetivo, papel destacado coube ao general Milton<br />

Tavares de Souza, chefe do CIE entre 1969 e 1974, que chegou a<br />

acumular esse posto com a Chefia de Gabinete do ministro do Exército,<br />

Orlando Geisel, de quem tinha a confiança absoluta. Todo acontecimento<br />

relevante ocorrido no Araguaia, entre 1972 e os primeiros<br />

meses de 1974, era do conhecimento dos dois e do presidente Médici.

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