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Direito à memória e à verdade - Ministério da Justiça

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De acordo com os testemunhos, os seis mortos foram presos por<br />

equipes do delegado Fleury na manhã do dia <strong>da</strong> chacina, ou na<br />

véspera, em distintos locais. Segundo Jorge Barret Viedma, irmão<br />

de Sole<strong>da</strong>d, na manhã do dia 8, em Recife, saíram <strong>da</strong> casa<br />

de sua irmã: ele, Pauline, Sole<strong>da</strong>d, Anselmo e Eu<strong>da</strong>ldo. As duas<br />

mulheres ficaram no centro, enquanto Anselmo, Eu<strong>da</strong>ldo e Jorge<br />

continuaram até a rua <strong>da</strong> Palma, onde Eu<strong>da</strong>ldo permaneceu. Jorge<br />

acompanhou Anselmo até um bar. Após a saí<strong>da</strong> de Anselmo,<br />

Jorge foi preso, sendo posteriormente expulso do Brasil. Segundo<br />

ele, tudo indica que Eu<strong>da</strong>ldo também foi preso nas proximi<strong>da</strong>des<br />

<strong>da</strong> rua <strong>da</strong> Palma. Jarbas, que tinha vi<strong>da</strong> legal, foi preso na livraria<br />

onde trabalhava, também no dia 8. José Manoel foi preso no dia<br />

anterior, em um posto de gasolina, sendo a única prisão assumi<strong>da</strong><br />

pelos órgãos de segurança.<br />

Outro impressionante depoimento, <strong>da</strong> advoga<strong>da</strong> de presos políticos<br />

Mércia de Albuquerque Ferreira, confirmou as torturas. Ela<br />

conseguiu ter acesso aos corpos removidos para o necrotério e<br />

declarou em depoimento formal: “Todos os corpos estavam muito<br />

massacrados. Pauline tinha a boca arrebenta<strong>da</strong>, tinha marcas<br />

pela testa, pela cabeça e o corpo muito marcado (...) a Sole<strong>da</strong>d<br />

estava com os olhos muito abertos com expressão muito grande<br />

de terror, a boca estava entreaberta e o que mais me impressionou<br />

foi o sangue coagulado em grande quanti<strong>da</strong>de, eu tenho<br />

a impressão que ela foi morta e ficou algum tempo deita<strong>da</strong> e a<br />

trouxeram, e o sangue quando coagulou ficou preso nas pernas<br />

porque era uma quanti<strong>da</strong>de grande e o feto estava lá nos pés<br />

dela, não posso saber como foi parar ali ou se foi ali mesmo no<br />

necrotério que ele caiu, que ele nasceu, naquele horror”. horror<br />

O exame <strong>da</strong>s fotos feitas pela polícia na chácara desmonta a versão<br />

de tiroteio. José Manoel aparece morto do lado de fora <strong>da</strong> casa.<br />

De acordo com os peritos Mauro Pamplona Monteiro e Ascendino<br />

José <strong>da</strong> Silva Cavalcanti, que fizeram o laudo oficial de 1973, inexistiam<br />

marcas de balas nas paredes, portas e utensílios na casa.<br />

Só na cozinha em frente <strong>à</strong> porta dos fundos, apareciam alguns<br />

orifícios, não registrados em fotos. A casa, feita de taipa, coberta<br />

de telhas, porta e janela de madeira, piso de chão batido, tinha exíguas<br />

dimensões – sala, quarto e cozinha. Conforme os documentos<br />

dos organismos oficiais, os guerrilheiros – peritos no manejo de<br />

armas – teriam desferido 18 tiros. Não se sabe qual seria o alvo,<br />

mas erraram todos, já que nenhum policial foi ferido. Dois corpos<br />

teriam sido encontrados na sala, um no quarto e outro na cozinha<br />

– todos com balas certeiras no cérebro.<br />

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COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS<br />

Sole<strong>da</strong>d, Pauline, Eu<strong>da</strong>ldo e José Manoel receberam quatro tiros<br />

na cabeça. Jarbas dois na cabeça e dois no tronco. Evaldo três tiros<br />

na cabeça, além de outros no tronco. As mulheres tinham marcas<br />

nos pulsos, produzi<strong>da</strong>s por algemas ou cor<strong>da</strong>s, visíveis na foto de<br />

Pauline. Três dos militantes – Evaldo, Pauline e Jarbas – apesar dos<br />

tiros que levaram, inclusive na cabeça, continuaram empunhando<br />

as próprias armas, denotando montagem de cena.<br />

Também nas fotos de Eu<strong>da</strong>ldo são visíveis deformações no rosto,<br />

além de hematomas, sulcos e vergões nos ombros. Sole<strong>da</strong>d tinha<br />

marcas de algemas nos pulsos e equimoses no olho direito. Os legistas<br />

que assinaram o laudo fizeram também referências a equimoses<br />

espalha<strong>da</strong>s pelo corpo.<br />

O processo protocolado na CEMDP traz depoimentos atestando<br />

que, por volta do meio dia de 07/01/1973, José Manoel foi preso<br />

em um posto de gasolina junto <strong>à</strong> rodovia federal por um grupo que<br />

ocupava veículo oficial com emblema do Incra e que se apresentou<br />

como Polícia Federal. Ele teria recebido voz de prisão, sem apresentar<br />

resistência, seguindo preso no carro oficial com as mãos<br />

amarra<strong>da</strong>s por uma cor<strong>da</strong>.<br />

Na Comissão Especial, os processos foram analisados individualmente,<br />

sob a responsabili<strong>da</strong>de de um mesmo relator. O primeiro a<br />

ser votado foi o caso de Jarbas Pereira Marques, sendo também a<br />

primeira oportuni<strong>da</strong>de em que a CEMDP aprofundou a discussão<br />

sobre o significado dos termos “dependências policiais ou assemelha<strong>da</strong>s”<br />

constantes na Lei nº 9.140/95. Em seu parecer conclusivo,<br />

aprovado por unanimi<strong>da</strong>de pelos demais integrantes <strong>da</strong>quele colegiado,<br />

o relator se concentrou na interpretação desse quesito<br />

legal e sustentou: “está claro que a granja onde os eventos finais<br />

deste caso tiveram palco não era uma dependência policial. Esta<br />

circunstância, to<strong>da</strong>via, não inviabiliza a incidência do dispositivo<br />

mencionado sobre a espécie. Quando a lei cogita de ‘dependência<br />

assemelha<strong>da</strong>’ está a indicar qualquer recinto sob o controle <strong>da</strong>s<br />

forças <strong>da</strong> ordem pública, onde exercem poderes de autori<strong>da</strong>de. A<br />

expressão congloba, assim, lugares diversos em que se encontrem<br />

agentes públicos, investidos de autori<strong>da</strong>de pública, e militantes políticos<br />

adversários, na condição de detidos. Essa interpretação ampla<br />

<strong>da</strong> expressão ‘dependência assemelha<strong>da</strong>’ concor<strong>da</strong> com o instituto<br />

<strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de civil do Estado, que vem <strong>à</strong> baila quando<br />

alguém sofre <strong>da</strong>no, estando sob a guar<strong>da</strong> de agente estatal”. Esse<br />

voto foi estendido aos demais cinco casos, sendo todos aprovados<br />

por unanimi<strong>da</strong>de.

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