Direito à memória e à verdade - Ministério da Justiça
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DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE<br />
A guerrilha foi chefia<strong>da</strong> politicamente por dois conhecidos dirigentes<br />
comunistas, de larga experiência: Maurício Grabois e João Amazonas.<br />
Eles ingressaram no Partido Comunista na déca<strong>da</strong> de 30 e haviam sido<br />
presos durante o Estado Novo. Com a legalização do partido, após<br />
a deposição de Getúlio Vargas, Maurício Grabois e João Amazonas<br />
foram eleitos deputados constituintes em 1946. Grabois era o líder<br />
<strong>da</strong> banca<strong>da</strong> comunista. Em 1962, ao lado de Pedro Pomar, Diógenes<br />
de Arru<strong>da</strong> Câmara e outros dirigentes nacionais, lideraram o grupo<br />
dissidente do partido que originou o PCdoB.<br />
O contingente do PCdoB no Araguaia foi dividido em três destacamentos<br />
que deveriam completar 21 combatentes ca<strong>da</strong>, subordinados<br />
a uma Comissão Militar. Os preparativos para organização de<br />
uma guerrilha na área rural correspondiam <strong>à</strong> estratégia de guerra<br />
popular prolonga<strong>da</strong> – inspira<strong>da</strong> na Revolução Chinesa e nos escritos<br />
de Mao Tsé-tung –, adota<strong>da</strong> então por aquele partido. Sustentavam<br />
que a toma<strong>da</strong> do poder pelas armas deveria começar em<br />
áreas rurais e, <strong>da</strong>í, irradiar-se para os centros urbanos, realizando<br />
o chamado “cerco <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des pelo campo”. Os militantes deveriam<br />
se fixar em regiões distantes, ganhar a confiança <strong>da</strong> população e<br />
recrutar camponeses para lutar ao seu lado na guerrilha, rumo <strong>à</strong><br />
construção de um exército popular de libertação.<br />
No final dos anos 1960, o isolamento econômico e social dessa<br />
tríplice divisa já despertava a atenção do governo militar. Em novembro<br />
de 1970, as Forças Arma<strong>da</strong>s simularam manobra conjunta<br />
de contraguerrilha na área – a Operação Carajás. O objetivo era<br />
inibir a presença <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> na região. Bombas foram lança<strong>da</strong>s,<br />
helicópteros sobrevoaram a área e pára-quedistas saltaram na floresta.<br />
Em agosto de 1971, a Operação Mesopotâmia foi realiza<strong>da</strong><br />
pelo Exército, objetivando colher informações e prender subversivos<br />
na divisa entre Maranhão e Goiás. Nessa operação, os agentes<br />
do Comando Militar do Planalto e do CIE seguiram pistas que poderiam<br />
levar a militantes do PRT, <strong>da</strong> AP, <strong>da</strong> ALN, <strong>da</strong> VAR- Palmares<br />
e <strong>da</strong> Ala Vermelha naquela região. O relatório final <strong>da</strong> Operação<br />
Mesopotâmia contém referências a um militante de nome “Juca”,<br />
residente em Porto Franco (MA), que corresponde ao guerrilheiro<br />
João Carlos Haas Sobrinho, desaparecido no Araguaia, que trabalhou<br />
como médico e criou o primeiro hospital <strong>da</strong>quele município<br />
maranhense, entre 1967 e 1969, transferindo-se então para a região<br />
<strong>da</strong> guerrilha, não muito distante <strong>da</strong>li.<br />
São muitas as versões sobre como os órgãos de segurança teriam<br />
obtido as informações iniciais sobre a existência do dispositivo<br />
do PCdoB na região. Numa delas, a guerrilheira conheci<strong>da</strong> como<br />
“Regina”, casa<strong>da</strong> com Lúcio Petit <strong>da</strong> Silva, um dos desaparecidos<br />
naquele episódio, contraiu uma doença tropical em fins de 1971 e<br />
foi envia<strong>da</strong> a São Paulo para tratamento. Na capital paulista, ela<br />
teria revelado a seus pais o que se preparava no sul do Pará e os<br />
familiares <strong>da</strong> jovem transmitiram as informações ao Exército.<br />
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Outra versão recorrente indica que o guerrilheiro Pedro Albuquerque<br />
Neto e sua mulher Tereza Cristina, também militante do partido,<br />
resolveram sair <strong>da</strong> região quando Tereza ficou grávi<strong>da</strong>. Retornaram<br />
a Fortaleza, onde Pedro permaneceu, enquanto Tereza<br />
seguiu para a casa de parentes em Recife. Esse militante, preso e<br />
torturado, teria revelado a existência do movimento guerrilheiro<br />
organizado pelo PCdoB.<br />
Uma terceira versão conta ain<strong>da</strong> que, no início de 1972, o Exército<br />
foi alertado pelas polícias militares de Marabá e Xambioá de que<br />
havia estranhos subversivos na região. Segundo as informações,<br />
os “paulistas” ensinavam o povo dos lugarejos a ler e havia até<br />
médicos no meio deles. Existem ain<strong>da</strong> outras hipóteses aventa<strong>da</strong>s<br />
para explicar a origem <strong>da</strong> informação inicial, sendo plausível que<br />
diferentes fontes tenham se somado.<br />
Seja qual for o caminho pelo qual as autori<strong>da</strong>des do regime descobriram<br />
a estrutura do PCdoB na região, já em fevereiro de 1972<br />
os órgãos de segurança desenvolveram na área a Operação Axixá,<br />
destina<strong>da</strong> a mapear os guerrilheiros, segundo o Relatório Especial<br />
de Informações 2/12, protocolo 2.309, encaminhado pelo tenente-coronel<br />
Arnaldo Bastos de Carvalho Braga, em 20 de março de<br />
1972, ao ministro do Exército Orlando Geisel.<br />
Prisões e mortes<br />
Nos últimos dias de março e princípios de abril de 1972, teve início<br />
o que se convencionou chamar de primeira campanha militar de<br />
combate <strong>à</strong> guerrilha. Calcula-se que cerca de dois mil homens pertencentes<br />
<strong>à</strong> Briga<strong>da</strong> de Infantaria <strong>da</strong> Selva (BIS) e outras uni<strong>da</strong>des<br />
<strong>da</strong> área, mais pessoal de Brasília e Rio, inclusive agentes <strong>à</strong> paisana<br />
do Comando Militar do Planalto, foram concentrados na região do<br />
baixo Araguaia, tornando Marabá e Xambioá suas ci<strong>da</strong>des-quartel.<br />
Chegaram também reforços de outros estados, além de lanchas <strong>da</strong><br />
Marinha que vasculhavam o rio, bem como helicópteros e aviões<br />
<strong>da</strong> Aeronáutica no apoio. A Transamazônica, em construção, recebeu<br />
cerca de dez postos de patrulhamento; a Belém-Brasília, seis.<br />
Os guerrilheiros refugiaram-se na mata e as forças repressivas efetuaram<br />
prisões, conseguindo capturar alguns militantes, entre eles José<br />
Genoíno Neto, que tinha sido vice-presidente <strong>da</strong> UNE e se elegeria<br />
mais tarde deputado federal por vários man<strong>da</strong>tos. Como regra geral,<br />
apenas esses primeiros guerrilheiros aprisionados com vi<strong>da</strong> foram<br />
poupados. Em 1973, a ordem oficial passou a ser de eliminação.<br />
Uma investigação realiza<strong>da</strong> pelo <strong>Ministério</strong> Público Federal,<br />
em 2001, por meio de depoimentos de moradores <strong>da</strong> região,<br />
identificou a instalação de quatro bases militares: “na ci<strong>da</strong>de<br />
de Marabá (PA), mediante a utilização de três imóveis: sede do<br />
DNER (identifica<strong>da</strong> pelos depoentes como Casa Azul), Azul<br />
sede do