Direito à memória e à verdade - Ministério da Justiça
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COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS<br />
de prisão, reagiu fazendo disparos de arma de fogo, resultando a morte ao resistente, em face do revide <strong>da</strong> agressão sofri<strong>da</strong>”. sofri<strong>da</strong>” Esse mesmo<br />
policial prestou uma informação que o relator do processo na CEMDP detectou como inverossímil e contraditória. Jorge Francisco relata<br />
que foi prender Ventania acompanhado de um outro agente, desarmado: “Severino estava desarmado, porque era a pessoa encarrega<strong>da</strong> de<br />
abor<strong>da</strong>r o elemento para fazer o seu reconhecimento(...)”. reconhecimento(...)” Conforme o relator do processo na Comissão Especial, a versão dos policiais esbarra<br />
em um questionamento muito simples: “seria possível que, obedecendo ao pedido de busca do IV Exército, o DOPS enviaria para a detenção<br />
de um ex-preso político, que o IV Exercito dizia ter treinamento de guerrilha, um agente desarmado”?<br />
Outro depoimento anexado ao processo na CEMDP, de Epitácio Ferreira, também derruba a versão de tiroteio: ”conheci Ventania, camponês,<br />
militante ativista <strong>da</strong>s Ligas Camponesas de Pernambuco. (...) No dia em que Manoel foi preso, cruzei com ele, com vários homens dentro de<br />
um carro grande, que acho ser do Exército, num local próximo de Ribeirão, indo para Recife. O veículo estava parado e eu vinha a pé, quando<br />
percebi as pessoas do carro e Ventania dentro dele fazendo sinal para que eu passasse direto. Entendi que estava acontecendo algo anormal e<br />
fiz que não estava vendo na<strong>da</strong>; foi quando peguei uma condução e fui para Joaquim Nabuco, chegando lá fui até a casa de Manoel e a mulher<br />
dele, Isabel, disse que uns homens o haviam levado de carro. No dia seguinte Manoel foi assassinado com vários tiros, a notícia saiu no jornal<br />
como um tiroteio em Ribeirão, mas ele não an<strong>da</strong>va armado e jamais havia participado de tiroteio. Foi quando comecei a pensar e percebi que<br />
ele havia sido torturado até a morte”.<br />
Com a abertura dos arquivos secretos do DOPS/PE também foi possível entrever a <strong>ver<strong>da</strong>de</strong> dos fatos. Ventania foi preso, levado para Recife<br />
e no dia seguinte para a periferia de Ribeirão, onde foi morto ou deixado morto com um único tiro nas costas, disparado por Jorge Francisco<br />
Inácio, na <strong>ver<strong>da</strong>de</strong> um agente <strong>da</strong> repressão política, mas qualificado em seu depoimento ao DOPS apenas como funcionário público. A morte<br />
foi trata<strong>da</strong> pelo delegado do DOPS de Recife, José Oliveira Silvestre, notório torturador, como um ato de quem agiu no estrito cumprimento<br />
do dever legal, consoante a disciplina e a legislação em vigor. Mesmo não tendo poderes para atender <strong>à</strong> solicitação <strong>da</strong> viúva de restabele-<br />
cer as reais circunstâncias <strong>da</strong> morte de Ventania, a CEMDP considerou legítima, em decisão unânime, a solicitação apresenta<strong>da</strong> por ela <strong>à</strong><br />
Comissão Especial, aprovando o requerimento e assegurando-lhe os benefícios <strong>da</strong> Lei nº 9.140/95.<br />
Quanto aos outros dois mortos, a versão oficial dos órgãos de segurança registrou que, preso em Recife, Manoel Lisbôa informou <strong>à</strong> polícia ter um<br />
encontro marcado para o dia 04/09/1973, no Largo de Moema, em São Paulo, com Emmanuel, que regressava do Chile dias antes <strong>da</strong> deposição<br />
de Salvador Allende. Segundo os policiais, Emmanuel, ao chegar ao local do encontro percebeu que havia sido traído e atirou em Manoel Lisbôa.<br />
Os agentes <strong>da</strong> repressão então reagiram, matando os dois. Com essa cena fictícia, os órgãos de segurança do regime militar criavam uma versão<br />
fraudulenta para a morte dos dois militantes e, ao mesmo tempo, apresentava o dirigente principal do PCR como delator e responsável pela prisão<br />
de companheiros, como já tinha se tornado rotina desde o assassinato de Eduardo Leite, Bacuri, no final de 1970. O comunicado oficial ain<strong>da</strong> os<br />
acusava falsamente de participação no atentado contra Costa e Silva, ocorrido no aeroporto dos Guararapes, em Recife, em 1966.<br />
A farsa cria<strong>da</strong> pela polícia não se sustentou. Emmanuel Bezerra e Manoel Lisbôa foram presos em Recife (PE), sendo que este último, com<br />
certeza, em 16/08/1973. Esse fato foi confirmado taxativamente pela operária Fortunata, com quem Manoel Lisbôa conversava na praça Ian<br />
Flemming, no bairro de Rosarinho, Recife. Ele foi preso sob as ordens do agente policial e conhecido torturador Luís Miran<strong>da</strong>, de Pernambuco<br />
e do delegado paulista Sérgio Paranhos Fleury. Algemado, foi arrastado para um veículo e conduzido para o DOI-CODI do IV Exército, então<br />
situado no parque 13 de Maio. Fortunata, a operária, presenciou a cena. “Foi uma <strong>ver<strong>da</strong>de</strong>ira operação de guerra. Quando um homem se<br />
aproximou, ele fez menção de pegar a arma, mas foi inútil. De todos os lados <strong>da</strong> praça surgiam homens. Carros e carros surgiram”.<br />
A requisição do exame necroscópico de Manoel Lisbôa foi assina<strong>da</strong> pelo delegado Edsel Magnotti, e o laudo pelos médicos legistas Harry<br />
Shibata e Armando Cânger Rodrigues, que confirmaram a versão oficial. Mas, segundo denúncia de Selma Bandeira Mendes, companheira<br />
de Manoel Lisbôa, e de outros presos políticos que se encontravam no DOI-CODI/SP, ele passou 19 dias sob tortura intensa. Apresentava<br />
marcas de queimaduras por todo o corpo e estava quase paralítico.<br />
Manoel Lisbôa de Moura era o principal dirigente do PCR e desde seus tempos de escola secundária em Maceió, demonstrou interesse pe-<br />
los problemas sociais, engajando-se no Movimento Estu<strong>da</strong>ntil alagoano. Como secun<strong>da</strong>rista, participou do Conselho Estu<strong>da</strong>ntil do Colégio