Direito à memória e à verdade - Ministério da Justiça
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INCRA e um presídio militar (<strong>da</strong> PM ou do antigo grupamento de<br />
Tiro de Guerra, a depender <strong>da</strong> fonte). As instalações de Marabá<br />
foram utiliza<strong>da</strong>s para interrogatórios e prisão de suspeitos de<br />
participar ou colaborar com os guerrilheiros, e possuíam pista de<br />
pouso; na locali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Bacaba, sita no km. 68 <strong>da</strong> Rodovia Transamazônica<br />
(Município de São Domingos do Araguaia - PA), no<br />
local em que ficava o canteiro de obras utilizado pela construtora<br />
Mendes Junior na construção dessa rodovia. Nessa base havia<br />
pista de pouso e uma grande área para a detenção de camponeses<br />
suspeitos, além de alojamentos para os militares e prisões<br />
para interrogatórios; na ci<strong>da</strong>de de Xambioá (então Estado de<br />
Goiás, hoje Estado de Tocantins), <strong>à</strong>s margens do Rio Araguaia.<br />
Também tinha pista de pouso e funcionou como prisão e local<br />
de interrogatórios. Foi a base <strong>da</strong>s operações pelo Rio Araguaia;<br />
na ci<strong>da</strong>de de Araguaína (então Estado de Goiás, hoje Tocantins).<br />
Haveria, também, pequenas bases em outras locali<strong>da</strong>des, como<br />
nos lugarejos de Oito Barracas (hoje município de São Domingos<br />
do Araguaia) e São Raimundo (próximo <strong>à</strong> divisa entre os hoje<br />
municípios de São Domingos e São Geraldo do Araguaia) e na<br />
ci<strong>da</strong>de de Araguatins, além de algumas temporárias monta<strong>da</strong>s<br />
em proprie<strong>da</strong>des priva<strong>da</strong>s, no campo. Nas bases militares (ao<br />
menos Bacaba e Xambioá) havia efetivos do Exército, Marinha<br />
e Aeronáutica, além <strong>da</strong> Polícia Militar local”. local”<br />
No primeiro confronto entre militares e guerrilheiros, em 8 de<br />
maio, um tenente e um sargento saíram feridos e um cabo foi<br />
morto. Era o cabo Odílio Cruz Rosa, <strong>da</strong> 5ª Companhia de Guar<strong>da</strong>s<br />
de Belém. Em outro enfrentamento, teria morrido um sol<strong>da</strong>do,<br />
restando ferido outro sargento. Os militares prenderam e intimi<strong>da</strong>ram<br />
os moradores, além de incentivar com dinheiro a delação<br />
sobre os “paulistas”. Pouco tempo depois desse primeiro choque,<br />
o camponês conhecido por “Cearense” ou “Cearensinho” informou<br />
ao exército que tinha combinado levar aos guerrilheiros uma encomen<strong>da</strong><br />
de fumo de cor<strong>da</strong>. Na hora marca<strong>da</strong>, o militante chegou<br />
acompanhado de quatro companheiros. Foram surpreendidos por<br />
tiros de metralhadoras. Bergson Gurjão Farias (“Jorge”), caiu ferido.<br />
Seu corpo nunca foi encontrado, tornando-se o primeiro desaparecido<br />
<strong>da</strong> Guerrilha do Araguaia.<br />
Nos depoimentos tomados pelo <strong>Ministério</strong> Público Federal, os moradores<br />
<strong>da</strong> região contam que os militares agiram com brutali<strong>da</strong>de<br />
nos povoados e ci<strong>da</strong>des, aterrorizando os camponeses. Muitos foram<br />
presos e espancados. Pelo menos dois camponeses foram mortos<br />
nessa primeira campanha. Em 18 de maio, o barqueiro Lourival<br />
Paulino, com mais de 50 anos, foi preso pelos militares, acusado<br />
de colaborar com a guerrilha. Levado para a delegacia de Xambioá<br />
foi torturado e morto no terceiro dia de cárcere. Outro camponês,<br />
Juarez Rodrigues Coelho, não chegou a ser levado para a delegacia,<br />
mas também teria cometido suicídio, em 14 de agosto, segundo o<br />
Relatório <strong>da</strong> Operação Papagaio.<br />
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COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS<br />
O segundo ataque<br />
As forças do regime militar reduziram a sua atuação a partir de<br />
julho de 1972, mas não saíram <strong>da</strong> área antes de outubro, quando<br />
volta a chover na região. Em setembro, a ação repressiva foi retoma<strong>da</strong><br />
com estratégia altera<strong>da</strong>, durando até novembro. Um efetivo<br />
estimado entre 3 mil e 5 mil sol<strong>da</strong>dos teria sido mobilizado para<br />
uma operação de ampla envergadura, batiza<strong>da</strong> com o nome-código<br />
Papagaio. O Exército montou acampamentos em Xambioá, São<br />
Geraldo, Araguanã e Araguatins, a meio caminho de Marabá, pelo<br />
Araguaia. Em Xambioá, o acampamento foi construído em torno<br />
do campo de aviação, localizado num dos extremos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Tentando<br />
angariar a simpatia <strong>da</strong> população, os militares ofereceram<br />
médicos, dentistas e remédios para os camponeses.<br />
Matérias do Correio Braziliense, de agosto de 2003, assina<strong>da</strong>s pelos<br />
jornalistas Thiago Vitale Jayme e Matheus Leitão descreveram<br />
detalha<strong>da</strong>mente o envolvimento de 220 fuzileiros navais na Operação<br />
Papagaio, entre 15/09 e 18/10/1972, subordinados a uma<br />
cadeia de comando em que estava no topo o general Olavo Viana<br />
Moog, chefe do Comando Militar do Planalto, com Antonio Bandeira<br />
abaixo, seguindo-se o capitão-de-fragata Lenine Cunha de<br />
Almei<strong>da</strong> e o capitão-de-corveta Uriburu Lobo <strong>da</strong> Cruz, autor do<br />
relatório divulgado pelos jornalistas.<br />
Relatório secreto <strong>da</strong>s Forças Arma<strong>da</strong>s, obtido pelo Jornal do<br />
Brasil e publicado em 22/03/1992, registra o envio de dois ba-<br />
talhões de infantaria de selva; uma companhia aerotransporta<strong>da</strong>,<br />
um comando reforçado de pára-quedistas, uma companhia<br />
de fuzileiros navais e comando numerado <strong>da</strong> Força Aérea Brasileira<br />
(FAB). A central de operações foi instala<strong>da</strong> em Xambioá,<br />
com acampamentos, pistas de pouso, caminhões de transporte<br />
de tropas e suprimentos. Encerra<strong>da</strong> dois meses depois, com a<br />
chega<strong>da</strong> <strong>da</strong>s chuvas, essa segun<strong>da</strong> campanha deixou um saldo<br />
importante de baixas entre os guerrilheiros, mas assumiu alguns<br />
aspectos de derrota para o regime, pelo fracasso no que<br />
tange ao objetivo central <strong>da</strong> operação.<br />
Na página 1037 de um documento do CIE publicado pelo Jornal<br />
do Brasil em 1992, o tenente-coronel Arnaldo Braga apresenta um<br />
quadro com os resultados obtidos. Segundo ele, o Exército contabilizava<br />
55 guerrilheiros já identificados. Destes, 12 teriam sido<br />
mortos, seis foram presos e outros 37 haviam conseguido escapar<br />
ao cerco, mas ain<strong>da</strong> estavam na região. O documento aponta<br />
ain<strong>da</strong> Maurício Grabois como chefe militar <strong>da</strong> guerrilha, superior<br />
hierárquico de três comandos distintos: o Comando A, o Comando<br />
B, e o Comando C. O oficial reconhece no informe que a guerrilha<br />
do PCdoB contava apenas com armas precárias. Levanta a suspeita<br />
imaginosa de que os guerrilheiros estariam <strong>à</strong> espera de armamentos<br />
oriundos <strong>da</strong> China comunista.