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MÚSICA DE FESTIVAL: - Arte, Cultura e Sociedade na América ...

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123<br />

“Você pensa num tema. Se é um tema triste, você procurará compor num<br />

tom menor, porque o menor já lhe dá essa ilusão da tristeza, que não é<br />

ilusão, <strong>na</strong> verdade. E isso é muito fácil de ‘visualizar com o ouvido’.<br />

[Orsoletta pega o violão e toca um sol maior e depois um mi menor]. Bom, o<br />

tom menor lhe traz para dentro, é mais intimista. Então quando você vai<br />

compor, já tem que se preocupar com isso. Eu me preocupo com isso. Não<br />

adianta fazer uma letra triste e colocar um vaneirão. Eu acho que não<br />

combi<strong>na</strong>. Cada sílaba tem um som musical... Enfim, são muitos fatores, é<br />

complicado falar sobre composição.” (Giancarlo Orsoletta, entrevista<br />

realizada em novembro de 2008, em Lages-SC)<br />

Portanto, a relação entre letra e música não faz sentido se pensarmos um diálogo<br />

unilateral. A impressão que tive ao ouvir a frase: “Música nenhuma salva letra” – pronunciada<br />

por um jurado durante a triagem do 17 o festival Sapecada da Canção Nativa – tornou-se<br />

bastante complexa com as observações e entrevistas de campo, principalmente com relação ao<br />

processo de composição das músicas de festival. Complexa porque dinâmica, no sentido de<br />

não permitir uma interpretação ao “pé da letra” - para usar uma metáfora bem significativa<br />

nesse contexto. A música trabalha com a letra através de valores muito particulares, como a<br />

escolha dos gêneros a partir da letra, a produção de uma letra a partir de um gênero, a escolha<br />

de uma to<strong>na</strong>lidade com relação a uma intenção emotiva. Os valores construídos e<br />

ressignificados nos processos de composição possibilitam a identificação dos sujeitos<br />

enquanto compositores de música <strong>na</strong>tivista, ou regio<strong>na</strong>l - como alguns mencio<strong>na</strong>ram. Além<br />

disso, as composições musicais tor<strong>na</strong>m-se agentes <strong>na</strong> medida em que são capazes de acio<strong>na</strong>r<br />

esses valores de maneira dinâmica, fluida, não permitindo uma apreensão estática.<br />

Como uma contribuição valiosíssima a essa etnografia, gostaria de mencio<strong>na</strong>r algumas<br />

questões tratadas pelos estudos etnológicos, particularmente com relação à música 133 . Nos<br />

últimos quarenta anos, a chamada “Etnologia das Terras Baixas da <strong>América</strong> do Sul” – estudos<br />

etnográficos que vão desde a Amazônia até a Patagônia – passaram por mudanças<br />

significativas em seus enfoques teóricos e metodológicos, ampliando os temas de sua<br />

investigação. Com uma grande concentração de estudos <strong>na</strong> Amazônia, a partir dos anos 1960<br />

e 1970 as questões ligadas às cosmologias <strong>na</strong>tivas tor<strong>na</strong>ram-se centrais, principalmente<br />

abordagens que entendiam a cosmologia enquanto força “centrífuga” e “centrípeta” das<br />

questões etnológicas das Terras Baixas. Nesse sentido, ela aparece como um domínio que<br />

globaliza todos os outros, que compreende o todo. Contudo, de acordo com Lux B. Vidal e<br />

133 A menção a esses estudos também partiu de uma discussão - proposta pelo Prof. Rafael José de Menezes<br />

Bastos - durante a discipli<strong>na</strong> de Etnologia Indíge<strong>na</strong>, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFSC.<br />

Para Menezes Bastos, a dicotomia “nós/outros” também não faz sentido quando pensamos a artisticidade. Nesse<br />

sentido, os conceitos sobre arte, sempre diversos, não deveriam ser reificados pelos pesquisadores. Essa<br />

importante questão ajudou-me a pensar e escrever sobre meu objeto de pesquisa.

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