MÚSICA DE FESTIVAL: - Arte, Cultura e Sociedade na América ...
MÚSICA DE FESTIVAL: - Arte, Cultura e Sociedade na América ...
MÚSICA DE FESTIVAL: - Arte, Cultura e Sociedade na América ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
payador, também nos revela um dos legados da milonga 88 . No Rio Grande do Sul, o nome<br />
que sempre esteve ligado à payada e, assim, ao cantar opi<strong>na</strong>ndo, foi o do poeta Jayme<br />
Caetano Braun (1924-1999). Com uma intensa atividade política e literária, Braun tornou-se<br />
um dos poetas mais amados de seu estado, e também um ícone do movimento <strong>na</strong>tivista, já que<br />
seus poemas foram premiados em diversos festivais e mesmo depois de sua morte,<br />
continuaram a ser musicados por artistas sul-rio-grandenses, entre eles, o compositor <strong>na</strong>tivista<br />
Luís Marenco. De acordo com Henrique Mann, no disco Payador, Pampa e Guitarra (1977),<br />
em parceria com Noel Guarany, Braun estabeleceu um divisor de águas importante, inserindo<br />
a payada no repertório <strong>na</strong>tivista. Os missioneiros Noel Guarany (1941-1998) e Ce<strong>na</strong>ir Maicá<br />
(1947-1989) também ficaram conhecidos por comporem milongas absolutamente opi<strong>na</strong>tivas,<br />
consideradas clássicos do <strong>na</strong>tivismo no sul do Brasil. Segundo Leri<strong>na</strong>, em seu engajamento<br />
político, Ce<strong>na</strong>ir Maicá tentou aproximar suas composições do público estudantil <strong>na</strong> década de<br />
1980, tendo a música Canto dos Livres censurada pela ditadura militar. Tanto Ce<strong>na</strong>ir Maicá<br />
quanto Noel Guarany - em diversas entrevistas - enfatizaram o descontentamento que tinham<br />
com relação aos ditames do MTG e sua falta de comprometimento social:<br />
“O MTG, de uma forma ou de outra, mete a mão em tudo o que existe no<br />
tradicio<strong>na</strong>lismo rio-grandense, a exemplo dos festivais. Numa triagem, se<br />
uma letra de música denuncia alguma coisa é automaticamente cortada pelo<br />
MTG. O CTG destrói a arte do RS quando só admite que alguém se<br />
apresente com músicas do tipo ‘Baile da Mariquinha’ e não sei mais o quê<br />
(...). Aquela música que diz alguma coisa é perigosa; então esse músico é<br />
vergonhosamente repudiado no meio tradicio<strong>na</strong>lista (...).” (Noel Guarany,<br />
depoimento citado em MANN, 2002: 140)<br />
Também se mostravam descontentes com a seleção de ritmos que poderiam compor o<br />
repertório da música gauchesca:<br />
“Os CTGs querem ditar a cultura e não abrem fronteiras. A música é<br />
universal. Não adianta bitolar as cabeças, delimitar ritmos. Ser gaúcho é<br />
um estado de alma. Há pouco tempo, um tal ‘doutor’ em folclore andou<br />
dizendo que a milonga não é gaúcha. Ora, eu me criei ouvindo milonga <strong>na</strong><br />
região de Santa Rosa. Outros ritmos chegaram com os imigrantes, a valsa, o<br />
chote, a polca, que eu conheço como a polca guarani. Então, eu tenho que<br />
cantar a minha vivência, aquilo que conheço. Cada região é diferente e não<br />
tem <strong>na</strong>da do que algumas pessoas querem, mas aquilo que elas são de<br />
verdade.” (Ce<strong>na</strong>ir Maicá, depoimento citado em MANN, 2002: 144)<br />
88 O cantar opi<strong>na</strong>ndo também revela uma questão importante para o entendimento da música <strong>na</strong>tivista: uma<br />
aparente hiper-valorização da letra das canções em detrimento da música. Esse assunto será abordado com maior<br />
profundidade à luz dos dados etnográficos no capítulo 4.<br />
80