28.11.2014 Views

Brasil 4D - Estudo de Impacto Socioeconômico - EBC

Brasil 4D - Estudo de Impacto Socioeconômico - EBC

Brasil 4D - Estudo de Impacto Socioeconômico - EBC

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Por outro lado, dois participantes <strong>de</strong>volveram as caixas <strong>de</strong> conversão voluntariamente, por receio <strong>de</strong> se responsabilizarem pelo<br />

equipamento “alheio” em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> possíveis quebra ou problemas técnicos.<br />

Como compreen<strong>de</strong>r o alto grau <strong>de</strong> voluntarismo e interesse em participar do projeto-piloto <strong>de</strong> TVD Interativa se esses beneficiários<br />

nem chegaram a usar (ou usaram muito pouco) o aparelho?<br />

O zelo e cuidado <strong>de</strong>monstrados no manuseio do aparelho revelaram, no entanto, que estes não foram apropriados pelos beneficiários<br />

enquanto um objeto seu, mas foram compreendidos como um objeto alheio à casa. Apesar <strong>de</strong> algumas vezes ser confundido com<br />

um DVD ou com uma TV por assinatura, estava claro que a TVDi não “pertencia à família”. Tratava-se <strong>de</strong> um “empréstimo”.<br />

Assim, o equipamento muitas vezes foi associado a um aparelho doméstico high-tech, estrategicamente situado no alto da estante<br />

da peça principal da casa (sala <strong>de</strong> visitas ou quarto), como fez D.D. (morador do Cristo Re<strong>de</strong>ntor), em um lugar “nobre”, mas<br />

inacessível para o uso. Outros beneficiários fizeram questão <strong>de</strong> mostrar como “cuidavam bem” do equipamento, e embora a caixa<br />

<strong>de</strong> conversão ficasse em um local acessível, mantinham o controle remoto “escondido” em um dos guarda-roupas da residência,<br />

longe do alcance das crianças e dos adolescentes. Esse medo se evi<strong>de</strong>ncia num caso paradigmático em que uma beneficiária<br />

impe<strong>de</strong> os filhos <strong>de</strong> usarem a TVDi em virtu<strong>de</strong> do receio <strong>de</strong> danificar o aparelho.<br />

O fato <strong>de</strong> as pessoas não incorporarem o aparelho como parte do universo físico e simbólico da residência e <strong>de</strong> revelarem pouco<br />

uso a princípio guarda uma relação direta com a i<strong>de</strong>ia — presente nos discursos — <strong>de</strong> que o equipamento não pertencia à família:<br />

era externo, um elemento estranho:<br />

“Eu não emprestei <strong>de</strong> jeito nenhum porque eu quem estou responsável pelo aparelho; vai que a pessoa danifique..” (A.S, 27/2/13).<br />

“Não empresto não, po<strong>de</strong> <strong>de</strong>smantelar. Só é daqui para ali para <strong>de</strong>ntro.” (A.U, 27/2/13).<br />

“Eu não <strong>de</strong>i não, só emprestei a minha filha. Porque não é da gente, eles vão passar para pegar, não po<strong>de</strong> sair daqui.” (A.I, 2/3/13).<br />

Para os entrevistados que participaram da observação prolongada, ficou claro que a TVDi não era apenas um bônus conseguido<br />

por um programa <strong>de</strong> políticas sociais, mas representava também um ônus. Era preciso “ter cuidado” com o aparelho para que não<br />

fosse roubado, para não danificá-lo ou perdê-lo.<br />

Esta “ética do alheio” não reflete uma “casualida<strong>de</strong>” em bairros marcados pela vulnerabilida<strong>de</strong>, precarieda<strong>de</strong> social e violência urbana.<br />

Ela merece uma reflexão, pois no entendimento coletivo local qualquer dano ou prejuízo ao equipamento (e consequentemente ao<br />

projeto-piloto da TVD interativa) po<strong>de</strong>ria prejudicá-los em relação aos benefícios que recebem hoje, particularmente ao Programa<br />

Bolsa Família.<br />

Tal ética explica também (ao menos em parte) a excelente receptivida<strong>de</strong> dos entrevistados. A ética do alheio também ajuda a<br />

compreen<strong>de</strong>r ao ambiente tranquilo que os pesquisadores <strong>de</strong> campo encontraram ao longo dos mais <strong>de</strong> 20 dias <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> campo, quando se <strong>de</strong>slocaram — em geral sozinhos — nos bairros pesquisados com automóveis, câmeras fotográficas,<br />

equipamentos <strong>de</strong> gravação <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o, gravadores digitais, laptops, celulares, dinheiro e documentos. Isso ocorreu mesmo <strong>de</strong>pois<br />

das recomendações do CRAS, já que esses equipamentos fazem parte do instrumental da pesquisa <strong>de</strong> campo.<br />

É possível perceber que houve uma i<strong>de</strong>ntificação entre o projeto-piloto, o Programa Bolsa Família e os CRAS. Para os beneficiários<br />

subsistia a impressão <strong>de</strong> que o projeto-piloto <strong>de</strong> TV Digital interativa “era do CRAS”. Inclusive, um entrevistado chegou a perguntar:<br />

“Como beneficiário do Bolsa Família, sou obrigado a consultar (os serviços interativos)?”.<br />

Os participantes tinham outras dúvidas. Como um dos aplicativos se referia a “empregos e cursos”, isso significava que eles<br />

<strong>de</strong>veriam procurar empregos e cursos? E caso encontrassem, isso implicaria a perda da Bolsa Família e o fim da relação com o<br />

CRAS? E como a TVDi ficaria, nesse caso, se ela “vem do CRAS porque somos do Bolsa Família?”. “Per<strong>de</strong>-se a Bolsa Família se<br />

não achar emprego, porque o CRAS e o Bolsa Família saberão que não estou consultando? E per<strong>de</strong> também, se achar emprego?”<br />

A falta <strong>de</strong> informações gerou alguns mal-entendidos e <strong>de</strong>sconfianças entre os voluntários do projeto-piloto da TVDi que participam<br />

do Programa Bolsa Família. Por exemplo: as informações repassadas para a TVDi (também chamada por alguns <strong>de</strong> TV do Bolsa)<br />

“para on<strong>de</strong> vão? Para o Governo Fe<strong>de</strong>ral? Para o CRAS?”. Uma beneficiária chegou a perguntar se a TV era suficientemente<br />

segura para realizar operações bancárias — um medo que se repete em diferentes classes sociais em relação ao uso <strong>de</strong> tecnologias<br />

digitais, como celulares e computadores.<br />

Isso mostra, para projetos futuros, que as várias instituições envolvidas na “ponta”, como as famílias selecionadas, <strong>de</strong>vem ter mais<br />

informações sobre o projeto-piloto, sobre a existência <strong>de</strong> outros recursos interativos, inclusive possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> compra através do<br />

controle remoto. A situação i<strong>de</strong>al, segundo Castro (2013), seria ter um serviço diário via celular ou por meio do canal <strong>de</strong> serviços da<br />

TVDi disponível às audiências. Já a Coor<strong>de</strong>nadora do Projeto na <strong>EBC</strong>, Cristiana Freitas, acredita que po<strong>de</strong>ria ser disponibilizado<br />

um serviço 0800 para aten<strong>de</strong>r à população gratuitamente.<br />

120

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!