172 Edla Grisard Caldeira de Andradaalguns p<strong>ou</strong>cos já estavam efetivados na Rede Municipalde ensino. É, portanto, uma escola de história recente,ainda <strong>se</strong>m uma visão clara do perfil de <strong>se</strong>us alunos eprofessores.Foi neste cenário em construção que propus umtrabalho junto às famílias e professores dos alunosapontados com dificuldade, procurando refletir com aequipe pedagógica (direção e orientação pedagógica),assim como junto com os professores e as famílias asfunções que tais dificuldades poderiam estar exercendona escola e/<strong>ou</strong> nas famílias, possibilitando ao aluno novasmaneiras de estar nos determinados sistemas.Entendendo a família e a escola como sistemas emde<strong>se</strong>nvolvimento, que contém o sujeito também emde<strong>se</strong>nvolvimento, relaciono neste artigo conceitos dedinâmica familiar com as dificuldades de aprendizagemrelatadas pela equipe pedagógica e professores. Oobjetivo foi de resignificar o comportamento “desviante”do aluno na escola, ressaltando <strong>sua</strong>s potencialidades epossibilidades, assim como de ampliar a visão de“indivíduo dotado de problemas”, criando junto comprofessores, alunos e famílias um novo significado aotermo “dificuldade de aprendizagem”.<strong>Para</strong> a compreensão dos casos aqui relacionados mefundamento na psicologia histórico-cultural, referenciadano pensamento de Vygotsky (1983) e no paradigmasistêmico. Tal escolha epistemológica deve-<strong>se</strong> ao fatode ambas teorias considerarem o sujeito no <strong>se</strong>u meiosocial, contextualizando-o no tempo e no lugar, partindodo fundamental princípio acerca da formação social do<strong>se</strong>r humano.Escolho Vygotsky (1983), mais especificamente, porestudar a formação dos processos psíquico-superiores(como memória voluntária, atenção voluntária, etc)relacionando-os com a atividade social, necessariamentemediada pelos muitos <strong>ou</strong>tros com os quais convivemos.Vygotsky (1998) em <strong>sua</strong> teoria da gêne<strong>se</strong> e de<strong>se</strong>nvolvimentodo psiquismo humano apre<strong>se</strong>nta o processo designificação como es<strong>se</strong>ncial ao de<strong>se</strong>nvolvimentohumano, <strong>se</strong>ndo este definido como “um processodialético, marcado por etapas qualitativamente diferentes,determinadas pela atividade mediada, que é justamentea chave des<strong>se</strong> processo” (Andrada, 2001, p.20).Trabalho com o paradigma sistêmico por compreendero funcionamento e a dinâmica dos sistemas humanos, <strong>se</strong>jaele uma família, uma empresa, uma sala de aula, enfim,uma escola. Focalizando a comunicação, as fronteiras entreas partes do sistema, a formação de um sintoma e <strong>sua</strong>função no sistema, o ciclo de vida familiar, entre <strong>ou</strong>trosconceitos importantes, a teoria sistêmica possibilita umanova visão acerca dos problemas, inclusive acerca dasdificuldades de aprendizagem.Reconhecendo que o paradigma sistêmico ultrapassao paradigma linear de causa e efeito onde “um alunonão aprende porque é deficiente”, o significado e oentendimento que o sistema escolar dá à dificuldade deaprendizagem podem <strong>se</strong>r transformados quandoprofessores e pedagogos <strong>se</strong> colocam como sujeitos quetambém constroem e mantém o problema. Consideram<strong>se</strong>,portanto, o contexto e as relações estabelecidas comes<strong>se</strong> educando, assim como a significação acerca doque <strong>se</strong> mostra <strong>se</strong>r o “problema de aprendizagem”.Teorias de apoioEntendendo de<strong>se</strong>nvolvimento humano como umprocesso Bronfrenbrenner (1994) sugere o modeloPPCT, <strong>ou</strong> <strong>se</strong>ja, pessoa, processo, contexto e tempo.Segundo este autor, a pessoa <strong>se</strong> de<strong>se</strong>nvolve através deprocessos proximais, que são interações que acontecemnos contextos <strong>ou</strong> sistemas diretos onde o sujeito faz parte,chamados de microssistemas, assim como nos <strong>ou</strong>trossistemas que indiretamente influenciam a vida do sujeito.As interações configuram-<strong>se</strong> então como o motor dode<strong>se</strong>nvolvimento (Tugde, Gray & Hogan, 1997).De maneira <strong>se</strong>melhante, Vygotsky (1981) defende aidéia de que os <strong>ou</strong>tros têm fundamental papel node<strong>se</strong>nvolvimento de qualquer pessoa, uma vez que nós sónos de<strong>se</strong>nvolvemos através das interações estabelecidascom os <strong>ou</strong>tros, <strong>se</strong>ndo que estas interações estãocarregadas de significados socialmente construídos. Assim,“O processo de significação é destacado por Vygotski(1998) em <strong>sua</strong> teoria da gêne<strong>se</strong> e de<strong>se</strong>nvolvimento dopsiquismo humano, posto que, via atividade em contextossociais específicos, o que é apropriado pelo sujeito vem a<strong>se</strong>r não a realidade em si, mas o que esta significa tantopara os sujeitos em relação quanto para cada um emparticular”(Andrada & Zanella, 2002, p.128).Pode-<strong>se</strong> inferir, portanto, que aquilo que professorasignifica como problema de aprendizagem <strong>ou</strong> decomportamento é fruto das <strong>sua</strong>s experiências prévias eapropriações geradas na <strong>sua</strong>s interações nos sistema<strong>se</strong>m que vive e viveu ao longo de <strong>sua</strong> história. Dessaforma, <strong>se</strong>ndo <strong>se</strong>mpre uma significação construída, pode<strong>se</strong>r reestruturada <strong>ou</strong> reenquadrada.Assim como os significados construídos podem <strong>se</strong>rtransformados, o modelo de Bronfrenbrenner demonstra
Família, escola e a dificuldade de aprendizagem: Intervindo sistemicamente 173que os sistemas movem-<strong>se</strong> através do tempo e também<strong>se</strong> modificam. Isso acontece não em uma perspectivalinear, cronológica, mas em uma perspectiva de ciclos.Sendo assim, o conceito de ciclos está associado aoconceito de de<strong>se</strong>nvolvimento, movimento, crescimento,ordenação, etapas. Exemplificando es<strong>se</strong> movimento nosistema familiar, Duque (1996) afirma que “desde que<strong>se</strong> constituem, por meio da união de um casal, as famíliaspassam por um certo número de fa<strong>se</strong>s evolutivas naturaisque <strong>se</strong> sucedem ao longo de um contínuo, o qualdenominamos ciclo vital”. (p.78)Carter e McGoldrick (1995) classificam 6 fa<strong>se</strong><strong>se</strong>volutivas na vida da família: o jovem solteiro; ocasamento; famílias com filhos pequenos; famílias comadolescentes; famílias no meio da vida e famílias noestágio tardio da vida. Em cada estágio existemprocessos emocionais implícitos que exigemmudanças no status da família para que esta prossiga<strong>se</strong> de<strong>se</strong>nvolvendo.A formação de um sintoma 2 acontece normalmentenas passagens de estágios, pois o nível de estres<strong>se</strong> familiar,<strong>se</strong>gundo Carte e McGoldrick (1995) “é geralmente maiornos pontos de transição de um estágio para o <strong>ou</strong>tro noprocesso de de<strong>se</strong>nvolvimento familiar” (p.8). O estres<strong>se</strong>,porém, pode também <strong>se</strong>r externo (uma mudança social,política). <strong>Para</strong> Papp (1992) o aparecimento de um sintomapode <strong>se</strong>r ocasionado de diversas formas, na concepçãode Papp (1992) “Por uma mudança em um dos sistemasmais amplos nos quais a família existe, tais como o sistemasocial, político, cultural e educacional (...) <strong>ou</strong> o eventoprecipitador pode vir de dentro da família como umareação a alguma ocorrência do ciclo de vida (morte,nascimento, etc)”. (p.24)De qualquer forma, sintoma e sistema estãoconectados, <strong>se</strong>rvindo um ao <strong>ou</strong>tro. Se a origem está forada família, <strong>sua</strong> permanência indica que está exercendoalguma função dentro da família, para que algumatransação permaneça <strong>ou</strong> para que a família evolua no<strong>se</strong>u ciclo vital. Ao considerarmos o ciclo da famíliapodemos perceber que processos de transição sãogeralmente acompanhados de muita ansiedade, podendoaparecer sintomas como forma de dominar a cri<strong>se</strong>. <strong>Para</strong>Duque (1996) “a cri<strong>se</strong> é resultado do sofrimentoacarretado pela necessidade de mudar e <strong>se</strong> define (...)por <strong>se</strong>u caráter transitório. Na maioria das vezes, ossintomas desaparecem com o tempo <strong>se</strong>m que <strong>se</strong>janecessária intervenção terapêutica. Outras vezes, aintervenção terapêutica <strong>se</strong> faz necessária para que afamília adquira uma nova compreensão e significaçãodo problema apre<strong>se</strong>ntado por <strong>se</strong>us componentes”. (p.84)Pensando no sistema escola, <strong>se</strong> a cri<strong>se</strong> é resultadoda necessidade de mudar, é possível entender umproblema na escola como uma necessidade de mudançanas interações do sistema. Assim, a criação de novossignificados para o problema apre<strong>se</strong>ntado é o queobjetiva um trabalho na escola cujo ponto de partida é opensamento sistêmico.Tal pensamento requer uma reflexão contextual, poisapre<strong>se</strong>nta os <strong>se</strong>guintes princípios: totalidade (o todo é maiorque a soma das partes, <strong>ou</strong> <strong>se</strong>ja, o funcionamento do sistemanão pode <strong>se</strong>r entendido a partir do funcionamento de umsó indivíduo); integridade de subsistemas (os sistemaspossuem subsistemas que são integrados, relacionadosuns aos <strong>ou</strong>tros); circularidade (todos os componentesinfluenciam-<strong>se</strong> mutuamente) (Schaffer, 1996).Nes<strong>se</strong> <strong>se</strong>ntido, Tilmans-<strong>Os</strong>tyns (s/d) ob<strong>se</strong>rva que “opensamento sistêmico funciona <strong>se</strong>gundo um modelocircular. Isto significa que o lugar, o momento no qualsituamos o inicio de um processo interacional, para daídeduzir uma compreensão, é totalmente arbitrário. <strong>Para</strong>iniciar a compreensão de tal processo, podemos ver<strong>ou</strong>tras coisas. A questão de saber quem começ<strong>ou</strong>, quemé a causa, não tem, portanto <strong>se</strong>ntido neste modo depensamento”. (p.3)Dessa forma, para compreendermos o processointeracional é preciso considerar diversas causas, assimcomo as possíveis funções que determinado problemapode estar exercendo neste processo. O aluno, portanto,não pode mais <strong>se</strong>r visto como o sujeito dotado de problemas,<strong>se</strong>parado do sistema sala de aula, mas como um sujeitorelacional cujo problema exerce uma função no sistema.Conforme Curonici e McCulloch (1999), “é ainda precisolevar em conta que o problema manifestado por umacriança (por um grupo de crianças) é um conjuntoimportante da manutenção do equilíbrio (homeostasia) dosistema inteiro. É o que explica a persistência no tempode algumas dificuldades e a p<strong>ou</strong>ca eficácia das medidasque tendem a fazer desaparecer o problema ao focar-<strong>se</strong>no indivíduo que o manifesta”. (p.37)A teoria sistêmica, em <strong>sua</strong> riqueza epistemológica,considera o sintoma de diversos ângulos. <strong>Para</strong> Satir(1980) o sintoma é problema na comunicação, <strong>ou</strong> <strong>se</strong>ja,uma comunicação disfuncional (generalista, incompleta,desconexa) poderá gerar sintomas no indivíduo. Assim,o psicólogo deve trabalhar focalizando a comunicaçãodo sistema.Psicologia Escolar e Educacional, 2003 Volume 7 Número 2 171-178
- Page 3 and 4: Psicologia Escolare EducacionalISSN
- Page 5: SUMMARYISSN 1413-8557125 EditorialP
- Page 9: Artigos
- Page 12 and 13: 130preocupação de ensinar a ler e
- Page 14 and 15: 132(13,2%; F=15), de livros (10,5%;
- Page 16 and 17: 134garantir ao aluno o domínio das
- Page 18 and 19: 136Acácia A. Angeli dos Santos, Ka
- Page 20 and 21: 138Acácia A. Angeli dos Santos, Ka
- Page 22 and 23: 140Acácia A. Angeli dos Santos, Ka
- Page 24 and 25: 142Acácia A. Angeli dos Santos, Ka
- Page 26 and 27: Acácia A. Angeli dos Santos, Katya
- Page 28 and 29: 146 Graziela Nascimento da Silva e
- Page 30 and 31: 148 Graziela Nascimento da Silva e
- Page 32 and 33: 150 Graziela Nascimento da Silva e
- Page 34 and 35: 152 Graziela Nascimento da Silva e
- Page 37 and 38: Psicologia Escolar e Educacional, 2
- Page 39 and 40: O que se espera de uma educação c
- Page 41 and 42: O que se espera de uma educação c
- Page 43 and 44: Psicologia Escolar e Educacional, 2
- Page 45 and 46: Avaliação da validade do question
- Page 47 and 48: Avaliação da validade do question
- Page 49 and 50: Avaliação da validade do question
- Page 51 and 52: Avaliação da validade do question
- Page 53: Psicologia Escolar e Educacional, 2
- Page 57 and 58: Família, escola e a dificuldade de
- Page 59 and 60: Família, escola e a dificuldade de
- Page 61 and 62: Psicologia Escolar e Educacional, 2
- Page 63 and 64: Adaptação da Pavlovian Temperamen
- Page 65: Adaptação da Pavlovian Temperamen
- Page 68 and 69: 186 Miriam Cruvinel e Evely Borucho
- Page 70 and 71: 188 Lino de Macedo, Ana Lúcia Pett
- Page 72 and 73: 190 Lino de Macedo, Ana Lúcia Pett
- Page 74 and 75: 192 Lino de Macedo, Ana Lúcia Pett
- Page 76 and 77: 194 Lino de Macedo, Ana Lúcia Pett
- Page 79 and 80: Psicologia Escolar e Educacional, 2
- Page 81 and 82: Transtorno do Déficit de Atenção
- Page 83: Transtorno do Déficit de Atenção
- Page 86 and 87: 204diversificadas. Embora sem usar
- Page 89 and 90: HistóriaEntrevista com Maria Regin
- Page 91 and 92: História 209do século 20 fizeram
- Page 93 and 94: História 211modesto. Penso que o p
- Page 95 and 96: História 213PSICOLOGIA E EDUCAÇÃ
- Page 97 and 98: História 215Problemas de Aprendiza
- Page 99 and 100: Sugestões PráticasSELEÇÃO DE PR
- Page 101: Sugestões Práticas 219Fechamento
- Page 105 and 106:
Informativo 223INFORMESAbril/2004 -
- Page 107 and 108:
Informativo 225Forma de Apresentaç
- Page 109 and 110:
Informativo 227bibliográficas deve
- Page 111 and 112:
Informativo 229Serviço de Orienta
- Page 113:
História 2314.O processo de avalia
- Page 117:
ALGUNS TÍTULOS DA CASA DO PSICÓLO