174 Edla Grisard Caldeira de AndradaHaley (1979), por <strong>sua</strong> vez, descreve o sintoma comofruto das dificuldades quotidianas não resolvidas e,<strong>se</strong>gundo ele, só persistem <strong>se</strong> os comportamentos dos<strong>ou</strong>tros membros do sistema foram mantidos. <strong>Para</strong>solucioná-lo, portanto, é preciso criar novos padrões decomportamento, modificando <strong>se</strong>qüências rígidas erepetitivas.Já Minuchin (1982), numa visão mais estrutural dosistema família, fala em fronteiras, coalisões e aliança<strong>se</strong>ntre membros, além de relações de poder, <strong>se</strong>ndo osintoma resultado de problemas na estrutura do sistema.Assim, o psicólogo visa a alteração nos padrões deinteração durante os encontros, delimitando fronteirasparentais, etc.Anderson e Goolishian (1998), compartilhando umavisão construcionista, ditam que a própria descrição doproblema constitui o problema, <strong>se</strong>ndo que o sintomaderiva de interpretações partilhadas por uma comunidade.O psicólogo parte de uma posição de “não-saber”sobre o sujeito e numa orientação colaborativa com esteresignifica as formas pelas quais a linguagem constrói o<strong>se</strong>lf e o mundo.Aliando o conhecimento acima descrito com otrabalho de psicóloga na escola, os atendimentos queagora descrevo visaram criar na escola a visão decomplexidade e instabilidade de qualquer tipo deproblema, salientando também a intersubjetividade 3 , <strong>ou</strong><strong>se</strong>ja, o papel que a própria escola e as famílias exercemna manutenção e quiçá criação da dificuldade do sujeitoaluno.Nes<strong>se</strong> processo as famílias acrescentam umaimportante contribuição quando participam ativamentedas discussões sobre o “problema” na escola e, assim,<strong>se</strong> beneficiam quando con<strong>se</strong>guem também criar novossignificados aos problemas apre<strong>se</strong>ntados.<strong>Os</strong> atendimentos: processo inicial<strong>Para</strong> facilitar o procedimento de encaminhamentona escola a direção, as orientadoras e professora<strong>se</strong>screviam sobre os alunos, ressaltando <strong>se</strong>us dados sobreaprendizagem e comportamento em sala, incluindo ohistórico escolar e <strong>ou</strong>tros dados que consideras<strong>se</strong>mrelevantes.Após a leitura dos encaminhamentos, eu conversavacom equipe pedagógica e professores e muitas vezessurgiam dessa conversa idéias de encaminhamento naprópria sala de aula, <strong>se</strong>ndo o professor o mediador damudança, algumas vezes obtendo muito sucesso.Entretanto, <strong>se</strong> a equipe consideras<strong>se</strong> importante, eramarcado o primeiro contato com a criança, <strong>se</strong>mpre juntocom a família <strong>ou</strong> com a professora, dependendo dasituação. Em <strong>se</strong>guida eu costumava ob<strong>se</strong>rvar asinterações na sala de aula.Às vezes, eu mantinha contato com as famílias pormais tempo, em alguns encontros acordados com osmembros. Outras vezes um único encontro com a famíliaera o suficiente para entender que a dificuldade apontadaestava exercendo alguma função no sistema escolar.Vamos aos exemplos:A agitação de V.V., 6 anos, está na primeira série e entr<strong>ou</strong> na escolano mês de Abril, em virtude da mudança de cidade dospais. Segundo relato da professora, “ele fica mexendocom todos os colegas da <strong>se</strong>guinte forma: chutando,dando rasteira, empurrando, puxando o cabelo,rasga as atividades feitas em sala e não faz asatividades. Quando solicitado justifica que só escrevecom letra de forma. Além disso, é desinteressado,desmotivado e adora uma brincadeira em sala. Nãosabe ler. Precisa de ajuda urgente, é hiperativo”.Ao falar sobre os deveres, a professora acrescenta que“das p<strong>ou</strong>cas atividades feitas em casa vem com letracorrida, a mãe pega em <strong>sua</strong> mão para escrever”.Sua fala evidencia <strong>sua</strong> insatisfação e insucessoperante o menino e acaba por responsabilizar o alunopor todo o fracasso que ambos vivem na sala. O pedidoimplícito é “retirem o menino, pois ele é o problema”.No contato com a mãe, a criança e o padrasto, not<strong>ou</strong><strong>se</strong>que há um envolvimento emocional bastante saudável,explicitado no cuidado dos pais com os deveres, comhigiene, na proteção <strong>se</strong>m exageros, nas negociações ena possibilidade de autonomia e diferenciação (porexemplo, V. tem quarto só para ele, tempo e brincadeira<strong>se</strong>scolhidas pelo menino, etc).V. mostr<strong>ou</strong>-<strong>se</strong> atento à conversa, respondendoprontamente quando solicitado, com vocabulárioadequado e rico. Calmo, o menino de<strong>se</strong>nh<strong>ou</strong> o tempotodo, <strong>se</strong>m mostrar qualquer indício de hiperatividade.Quando questionado a respeito da escola, V. foi incisivo:“a professora não gosta de mim e a sala é chata”.Segundo relato da mãe, V. em casa é organizado,faz <strong>sua</strong>s tarefas diariamente com ajuda do padrasto, comquem tem uma boa relação afetiva, fato ob<strong>se</strong>rvado no<strong>se</strong>ncontros com a família. Dessa forma, a mãe nãoentende porque V. está “indo mal” na escola e acha quea professora está “resistindo” ao menino. Ela estranha
Família, escola e a dificuldade de aprendizagem: Intervindo sistemicamente 175o fato de o menino estar agitado, até agressivo comcolegas, e que ainda não lê <strong>ou</strong> escreve, pois em casa ele<strong>se</strong> mostra uma criança tranqüila.V. veio de uma escola que priorizava o lúdico atravésde atividades que eram mediadas com brincadeiras. Aescrita da professora era em caixa alta, não <strong>se</strong>ndonecessário nem exigido escrever com letra corrida, <strong>se</strong>ndoque o processo de passagem para letra corrida acontecianaturalmente. A professora e a escola negligenciaramo histórico escolar de V. e não compreendiam <strong>sua</strong>resistência à escrita corrida e <strong>sua</strong> vontade de brincar.Foram feitos dois encontros com a família e em<strong>se</strong>guida um encontro com V. e <strong>sua</strong> professora. Nes<strong>se</strong>encontro, o menino cont<strong>ou</strong> para a professora como era<strong>sua</strong> escola anterior e a questão da letra corrida, assimcomo das brincadeiras que muito <strong>se</strong>nte falta.Negociamos com a professora o uso de letra em caixaalta assim como momentos mais lúdicos na sala de aula.Foi levantada a hipóte<strong>se</strong> de que V. ainda não <strong>se</strong> <strong>se</strong>ntiaincluído na turma, visto que a professora não fez qualquermovimento para possibilitar <strong>sua</strong> inclusão quando elecheg<strong>ou</strong>. Nes<strong>se</strong> encontro contratei com a professoraalgumas ob<strong>se</strong>rvações na sala de aula.A ob<strong>se</strong>rvação da sala de aula tr<strong>ou</strong>xe <strong>ou</strong>tros dadosmuito relevantes: a professora mostrava-<strong>se</strong> in<strong>se</strong>gura eatrapalhada. Sem um plano de aula adequado nãocon<strong>se</strong>guia negociar com as crianças e tentava coagi-lascom gritos e até pequenos beliscões. V. demonstrava<strong>sua</strong> insatisfação com a maneira de dar aulas daprofessora “atrapalhando” diariamente a ponto de <strong>se</strong>rretirado da sala. Sua agitação fez a escola voltar <strong>se</strong>uolhar para a sala de aula como um todo, e somente assimfoi possível reorganizar a percepção do sistema e dafunção que V. estava exercendo na sala. O “problema”da criança pôde finalmente <strong>se</strong>r visto como positivo,levantando a necessidade de mudança no sistema.Dessa forma, junto com a orientação pedagógicadecidimos intervir diretamente no trabalho da professora,mediando o processo de elaboração dos planos de aula,avaliando com ela cada aula e o progresso da turma<strong>se</strong>manalmente. A orientação entr<strong>ou</strong> em sala com maisfreqüência e, junto com esta psicóloga, estabelecemosmomentos de encontro com a professora para que estapudes<strong>se</strong> resignificar <strong>se</strong>u papel de gestor da turma juntoàs crianças. A família foi informada das mudanças emencontro com a professora e a psicóloga, quandoalgumas dificuldades na comunicação professora-famíliaforam sanadas.Infelizmente, a professora por problemas particularesacab<strong>ou</strong> faltando muitas vezes e assim não pôde <strong>se</strong>guircom o plano estabelecido em conjunto. Sua aula e <strong>se</strong>upapel na sala não foram modificados e a professoraacab<strong>ou</strong> <strong>se</strong>ndo convidada a deixar a turma, visto aimpossibilidade de ela <strong>se</strong>r ela própria uma mediadora natransformação das interações no sistema sala de aula.V. foi conquistado pela professora substituta, quesabendo de toda a história desde que o menino entr<strong>ou</strong> naescola, possibilit<strong>ou</strong> um ambiente bastante lúdico e afetivo,garantindo assim a integração de V. com <strong>se</strong>us colegas deturma e com a escola como um todo. Segundo esta novaprofessora, V. mostra-<strong>se</strong> inteligente e tem toda a capacidadede acompanhar a turma, <strong>se</strong>ndo que <strong>sua</strong> agitação pôde <strong>se</strong>rcanalizada em atividades escolares mais lúdicas.A agitação de C.C., adolescente de 13 anos, filha única, <strong>se</strong>xta série. Moracom o pai, 31 anos, bancário e com a mãe, 30 anos, quetrabalha no restaurante dos <strong>se</strong>us pais. A aluna foiencaminhada pela direção pelos <strong>se</strong>guintes motivos: “C. émuito agitada, vive cantando e custa a concentrar-<strong>se</strong>”.Segundo a direção a aluna diz que lhe “falta cérebro natesta”. Segundo relato dos professores, “C. na matemáticafreqüentemente esquece compromissos e materiais,porém con<strong>se</strong>gue acompanhar o conteúdo. Em históriarealiza todas as tarefas e tem rendimento regular, bemcomo em português. Parece querer chamar <strong>se</strong>mpre aatenção, pois fica cantando o tempo todo”.Visto que esquece tarefas com freqüência, <strong>se</strong>urendimento baix<strong>ou</strong> muito. Suas notas em matemáticabaixaram visto que muitas vezes C. esquece que haviaestudado para determinada prova, <strong>ou</strong> simplesmente nãofaz provas alegando ter “dado um branco”. Nessassituações fica tão nervosa que acaba falando muito,ficando muito agitada e torna-<strong>se</strong> alvo fácil de gozaçõe<strong>se</strong> brincadeiras dos colegas de turma.Na primeira entrevista com a família C. estavabastante agitada, não con<strong>se</strong>guia terminar um assunto porinteiro, logo falava de <strong>ou</strong>tra coisa e a mãe comentava “távendo como é?”. C. admitiu não gostar de esquecer ascoisas e <strong>se</strong>gundo a mãe C. já foi ao neurologista que adiagnostic<strong>ou</strong> com déficit de atenção, recomendandopsicoterapia. No fim da conversa fic<strong>ou</strong> claro que a mãede C. não con<strong>se</strong>gue mais lidar com o esquecimento deC., pois “precisa ficar o tempo todo lembrando de tudo,até mesmo do banho”. C. confirm<strong>ou</strong> e acrescent<strong>ou</strong> quenão agüenta mais a mãe “pegando no pé”.Psicologia Escolar e Educacional, 2003 Volume 7 Número 2 171-178
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