176 Edla Grisard Caldeira de AndradaO foco de trabalho com essa família foi a superproteçãoda mãe e a necessidade de C. ter <strong>se</strong>mpre alguém cuidandode <strong>sua</strong> vida nos mínimos detalhes, característicascomplementares. Assim, foi tema dos encontros acordadoscom a família a dificuldade de diferenciação de C., vistoque a família está passando para <strong>ou</strong>tro estágio no ciclo: ode pais com filhos adolescentes.A p<strong>ou</strong>ca diferenciação acaba <strong>se</strong>ndo reforçada peladificuldade de C. de lembrar de coisas importantes para<strong>sua</strong> vida, como <strong>sua</strong> higiene e <strong>se</strong>us estudos. Assim, amãe <strong>se</strong> coloca em um papel de <strong>se</strong> antecipar aosmovimentos de C. para que nada <strong>se</strong>ja esquecido, porémnão con<strong>se</strong>gue atingir a escola, <strong>ou</strong> melhor, dentro da escolaa mãe não pode <strong>se</strong> antecipar aos movimentos de C. Acomunicação foi também foco da nossa atenção no<strong>se</strong>ncontros, pois muitas vezes mãe antecipava-<strong>se</strong> erespondia perguntas por C., que <strong>se</strong> irritava e comentava“tá vendo com ela é?”.Na medida em que os encontros aconteciam h<strong>ou</strong>veum aumento no rendimento de C. na escola, assim comoa diminuição de <strong>se</strong>u comportamento agitado e nervoso,fato percebido por todos os professores. Um saltosignificativo foi quando C. começ<strong>ou</strong> a anotar em <strong>se</strong>udiário os fatos importantes da escola, como tarefas acumprir, provas para estudar, etc. Da mesma forma, C.em casa anotava o que havia feito, estudado <strong>ou</strong> cumpridoe assim ela <strong>se</strong>mpre con<strong>se</strong>guia executar e cumprir astarefas escolares, aumentando <strong>se</strong>u rendimento escolar.Quando nossa adolescente pass<strong>ou</strong> a executar <strong>sua</strong>starefas por conta própria, <strong>sua</strong> mãe mostr<strong>ou</strong> <strong>ou</strong>troscomportamentos em relação à C., perdendo <strong>sua</strong> funçãode eterna protetora. A comunicação entre ambasmelhor<strong>ou</strong>, C. pass<strong>ou</strong> a <strong>se</strong> cuidar mais e ambascomeçaram a <strong>se</strong> diferenciar.Nes<strong>se</strong> momento, alcançado o objetivo de aumentar orendimento escolar de C., de comum acordo com os pai<strong>se</strong> com a própria C., finalizamos o atendimento da famíliana escola. Depois disso acompanhei o de<strong>se</strong>nvolvimentode C. em conversas informais, em visitas a sala de aula eatravés dos professores. A família foi devidamenteencaminhada para terapia familiar fora da escola.CONCLUSÕESDiante das reflexões deste artigo e analisando adescrição de dois exemplos de atendimentos com queixas<strong>se</strong>melhantes, resta uma pergunta: qual o significado dostermos “aluno com problema” <strong>ou</strong> “dificuldade deaprendizagem?”. São várias as possíveis respostas, váriasas possíveis construções de significado acerca dos termos,<strong>se</strong>m que uma <strong>se</strong>ja a mais verdadeira que <strong>ou</strong>tra. Assim,não podemos previamente acreditar que alunos sãoproblemas <strong>ou</strong> que famílias são desajustadas, <strong>ou</strong> queprofessores são autoritários. Precisamos ver um “quebracabeças”,as partes e o todo!No caso de V., <strong>se</strong>u comportamento agitado foisignificado pela professora como “hiperatividade”, e aprofessora fic<strong>ou</strong> impossibilitada de questionar a funçãoque tal agitação estava exercendo na sala de aula. <strong>Para</strong>a equipe escolar, na qual me incluo, fic<strong>ou</strong> claro que V.nos prest<strong>ou</strong> um grande <strong>se</strong>rviço <strong>se</strong>ndo o menino“problema” da turma, pois assim pudemos ob<strong>se</strong>rvar quãoinadequadas estavam <strong>se</strong>ndo as aulas da professora,assim como alguns de <strong>se</strong>us comportamentos. Usandoas palavras da mãe do menino, na verdade ele é quem“estava resistindo” à professora. A necessidade demudar o sistema sala de aula era urgente e V. nosapont<strong>ou</strong> isso com um comportamento “agitado”.Trabalhando os dois microssistemas de V. foi possívelobter uma idéia clara de como o problema estava <strong>se</strong>ndosignificado e qual função exercia na escola. Comoafirmam Curonici e McCulloch (1999), “quando oprofessor descreve um problema, não <strong>se</strong> trata darealidade, uma entidade que existe fora de <strong>sua</strong>percepção. Estamos tratando da construção darealidade efetuada por uma pessoa singular emdeterminado momento”. (p.63).Assim, foi necessário reenquadrar o problema, dand<strong>ou</strong>m novo significado à agitação de V.: uma estratégiamuito inteligente de chamar a atenção da escola, atraindopara si a ajuda dos adultos para sanar as dificuldades da<strong>sua</strong> sala de aula. “É o que Malarewicz (apud Curonici& McCulloch, 1999) chama de competência interativada criança”. (p. 69)Já no atendimento de C., no primeiro encontro coma família evidenci<strong>ou</strong>-<strong>se</strong> a necessidade de estabelecercom es<strong>se</strong> microssistema uma ação colaborativa,priorizando a criação de um novo significado à dificuldadede C., visto que já era uma dificuldade existente nosistema familiar. Foram trabalhadas as fronteirasparentais, assim como as <strong>se</strong>qüências de comportamentospadronizados entre mãe e filha. A família pass<strong>ou</strong> aentender o problema como algo que não pertence à C.,que não faz parte dela, mas da interação entre os mem-
Família, escola e a dificuldade de aprendizagem: Intervindo sistemicamente 177bros da família, e <strong>se</strong>ndo assim poderia perfeitamente<strong>se</strong>r modificado.A agitação e esquecimento estavam exercendo umpapel fundamental no sistema familiar, pois ocomportamento de C. tanto mantinha a família no mesmoestágio do ciclo de vida familiar (pais com criançadependente) como de<strong>se</strong>quilibrava o sistema para queeste evoluís<strong>se</strong> (pais com adolescente). Quando a famíliacri<strong>ou</strong> <strong>ou</strong>tros significados para a dificuldade, diluindo entreos membros familiares a “culpa”, logo <strong>se</strong> perceberamevoluções de C. na escola.Quero finalizar deixando registrado como o trabalhodo psicólogo na escola é de fundamental importância,desde que este abra espaço para discussões, paraorientações colaborativas, <strong>se</strong>m fazer uso de somenteuma teoria para explicar todo e qualquer fenômeno,enquadrando nela as dificuldades que possam surgir nasrelações escolares.Cabe aqui uma metáfora sobre como perceber umfenômeno: o vale! Se cada um de nós <strong>se</strong> coloca emdeterminado ponto no alto de um vale teremos umaperspectiva limitada pela nossa própria posição. Unspoderão ver um rio, <strong>ou</strong>tros apenas árvores, etc.Podemos nos locomover e até trocar de perspectiva,mas é necessário um exercício de reflexão paraentendermos aquela <strong>ou</strong>tra perspectiva a partir das <strong>sua</strong>spróprias ba<strong>se</strong>s filosóficas e epistemológicas e fazer usodesta quando necessário. Quanto mais lentes diferentesnós tivermos para o olhar, a leitura e o entendimentode um mesmo fenômeno, mais rica <strong>se</strong>rá nossacompreensão do mundo.Dessa forma, ao iniciar qualquer atendimento, <strong>se</strong>jaeste qual for, o psicólogo deve valer-<strong>se</strong> de uma posiçãode “não-saber”, pois este <strong>se</strong>mpre precisa da informaçãodo <strong>ou</strong>tro, do <strong>se</strong>r humano a <strong>sua</strong> frente, e “a interpretaçãoé <strong>se</strong>mpre um diálogo entre terapeuta e o cliente e não oresultado de narrativas teóricas pré-determinadas,es<strong>se</strong>nciais para a significação, competência <strong>ou</strong> modeloteórico que o terapeuta defende” (Gergen e Warhuus,2001, p.38).REFERÊNCIASAnderson, H., & Goolishian, H. (1998). O cliente é oespecialista: a abordagem terapêutica do não saber. EmS. Macnamee & K. Gergen (Orgs.) A terapeia comoconstrução social (pp. 35-49). São Paulo: Artes Médicas.Andrada, E. G. C. (2001). Entre o dever-fazer e o viver dacriança: a significação das regras nas interações bebêprofessora-bebês.Dis<strong>se</strong>rtação de Mestrado, Programade pós-graduação em Psicologia, Universidade Federalde Santa Catarina.Andrada, E. G. C., & Zanella, A. V. (2002). Processos designifica;áo no brincar: problematizando a constituiçãodo sujeito. Psicologia em Estudo, 7 (2), 127-133).Bronfrenbrenner, U. (1994). Ecological models of humandevelopment. International Encyclopedia of Education(pp.37-43, v. 3, n. 2). England: El<strong>se</strong>vier Sciences.Carter, B., & Mcgoldrick, M. (1995). As mudanças do ciclo devida familiar. POA: Artes Médicas.Curonici, C., & McCulloch, P. (1999). Psicólogos e Professores:uma visão sistêmica acerca dos problemas escolares.SP: EDUSC.Duque, D. F. (1996). Cri<strong>se</strong>s normais do ciclo de vida familiar.Revista da Associação Brasileira de PsicoterapiaAnalítica de Grupo, 5, 78-86.Gergen, K., & Warhuus, L. (2001). Terapia como construçãosocial: características, reflexões, evoluções. Em M.Gonçalves, & O. F. Gonçalves (Orgs.), Psicoterapia,discurso e narrativa: a construção conversacional damudança. (pp.27-64). Coimbra: Quarteto Editor.Haley, J. (1979). Psicoterapia familiar. Belo horizonte:Interlivros.Minuchin, S. (1982). Famílias, funcionamento e tratamento.POA: Artes médicas.Papp, P. (1992). O processo de mudança. POA: Artes Médicas.Satir, V. (1980). Terapia do grupo familiar. Rio de Janeiro: Alves.Schaffer, H. R. (1996). Social Development. UK: BlackwellPublishers Ltda.Tilmans-<strong>Os</strong>tyn, E. (s/d). Algunos aportes de la TerapiaFamiliar a la Práctica Médica Cotidiana. Artigoapre<strong>se</strong>ntado ao Departamento de Psiquiatria Familiar,Hospital “Hermilio Valdizan”, 1-14.Tugde, J., Gray, J., & Hogan, D. (1997). Ecological Perspectives inHuman Development: a comparison of Gibson andBronfenbrenner. Em J. Tudge, M. J Shanahan & J. Valsiner(Org.) Comparisons in Human Development: understandingtime and context (pp.72-108). Cambridge University Press.Vygotsky, L. S. (1981). The genesis of higher mental function.Em Wertsch (Org.) The concept of activity in Sovietpsychology (pp. 114-188). New York: Sharpe.Psicologia Escolar e Educacional, 2003 Volume 7 Número 2 171-178
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