99revistas <strong>de</strong> moda, enquanto Oscar recosta-se para ler o jornal. Eles têm uma vidaaparentemente calma, <strong>de</strong>spreocupada e requintada.Ao receber Maria José, Querubina procura <strong>de</strong>monstrar o mais rápi<strong>do</strong> possível adiferença <strong>de</strong> nível social entre as duas famílias, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que recebe a prima vestin<strong>do</strong> umquimono <strong>de</strong> seda azul-claro, conversa com a filha, Maria Inês, sobre os trabalhos sociais quepresta, dá or<strong>de</strong>ns aos emprega<strong>do</strong>s e elogia o mari<strong>do</strong>: “O Oscar é tão bom, Maria José!” (1993,p.48)Maria Inês chega em casa com a fisionomia alegre e atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sembaraçadas. Aocumprimentar as primas, a jovem distribui beijos entre risos e ditos graciosos. A mãe apreciao <strong>de</strong>slumbramento que ela causa em Maria José e suas filhas, que permanecem acanhadas eassustadas. Após sua chegada, Querubina e a filha iniciam um diálogo on<strong>de</strong> excluem asrecém-chegadas: “As recém-chegadas ficaram <strong>de</strong> la<strong>do</strong>, como meras especta<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> diálogoentre mãe e filha. E era justamente isso que a repousada senhora queria, para <strong>de</strong>ixar bemnítida <strong>de</strong> início a diferença <strong>de</strong> nível social existente entre as duas famílias.” (1993, p. 48)Somente com a morte <strong>de</strong> Gue<strong>de</strong>s e o aban<strong>do</strong>no miserável em que se encontram MariaJosé e os filhos, Querubina lembra <strong>de</strong> comprar uma casa e auxiliar a prima. Sente-se com aobrigação <strong>de</strong> ajudar uma parenta pobre, <strong>de</strong>samparada e viúva, mas Maria José recusa suaajuda. Querubina, então, tem a sensação <strong>de</strong> <strong>de</strong>ver cumpri<strong>do</strong> e ao <strong>de</strong>ixar sua prima no casebreon<strong>de</strong> vive, após o enterro <strong>de</strong> Gue<strong>de</strong>s, vai à modista para ver o andamento das costuras <strong>do</strong>casamento <strong>de</strong> Maria Inês.Dessa maneira, Querubina e Maria Inês representam a mulher da classe social rica. Sãocitadinas, tem acesso à leitura e à escrita. Querubina, como a gran<strong>de</strong> maioria das mulheres daépoca, exerce seu papel <strong>de</strong> esposa dan<strong>do</strong> or<strong>de</strong>ns aos emprega<strong>do</strong>s e averiguan<strong>do</strong> seus serviços,além <strong>de</strong> cuidar <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> e da filha. Ambas, mãe e filha são fúteis e ambiciosas.A diferença na educação que Maria Inês recebe expressa uma mudança social no papelda mulher, por isso a jovem tem liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sair a sós com o namora<strong>do</strong> à noitinha. Isso é umreflexo das mudanças que começavam a ocorrer no papel social <strong>de</strong> cada sexo e que davam-sevagarosamente. Querubina expressa seus <strong>de</strong>sejos, dá or<strong>de</strong>ns, mas continua exercen<strong>do</strong>ativida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>mésticas, seu mun<strong>do</strong> ainda é o lar.
100No <strong>de</strong>correr da trama são apresenta<strong>do</strong>s Fausta e Fagun<strong>de</strong>s. Fagun<strong>de</strong>s é ex-policial rurale veio para a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Boa Ventura há <strong>do</strong>is anos com a ilusória promessa <strong>de</strong> aposenta<strong>do</strong>riaque o coronel Ramiro lhe propôs para tirá-lo <strong>do</strong> cargo e colocar um partidário mais jovem eparticipante nas eleições, mais ativo no parti<strong>do</strong>.Enquanto espera a aposenta<strong>do</strong>ria prometida ele abre um boliche e passa as tar<strong>de</strong>s<strong>de</strong>bruça<strong>do</strong> no balcão a aten<strong>de</strong>r seus poucos fregueses, a cumprimentar quem passa na rua emfrente e a pensar nas <strong>de</strong>sgraças <strong>de</strong> sua vida e nos crimes terríveis que cometeu na época <strong>de</strong>polícia em favor <strong>do</strong> parti<strong>do</strong> e que agora lhe tiram o sono:Reminiscências turbulentas avivaram-se na memória <strong>do</strong> capitão. Descomposturas,sovas <strong>de</strong> relho, estaqueamentos, talhos, homens ensangüenta<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>tonações <strong>de</strong>revólver! Fez um gran<strong>de</strong> esforço para readquirir o <strong>do</strong>mínio das idéias, conseguin<strong>do</strong>que as representações terrificantes <strong>de</strong>bandassem como morcegos espalha<strong>do</strong>s pelovento. Gozou uns instantes <strong>de</strong> repouso e aos poucos submergiu num sono profun<strong>do</strong>.(1993, p. 58)Fausta, por sua vez, veio para a cida<strong>de</strong> na expectativa <strong>de</strong> melhorar <strong>de</strong> vida. Ela percebeque o mari<strong>do</strong> está em uma crise cada vez maior e não se conforma com a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong>le aocoronel Ramiro: “Se tu ainda votá nessa gente, tu é um sem-vergonha.” (1993, p. 58). Duranteas brigas mais prolongadas ele se encerra no boliche, mas continua a ouvir as reclamações damulher através da pare<strong>de</strong>. Em algumas discussões chegam quase a uma agressão física.Fagun<strong>de</strong>s pensa em tomar essa atitu<strong>de</strong>: “Ela andava era apetecen<strong>do</strong> outra sova, como aquela<strong>de</strong> <strong>do</strong>is anos atrás, <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar o lombo brasino, em ponto <strong>de</strong> salga.” (1993, p. 13)Ela, no entanto, o enfrenta sem me<strong>do</strong>. Há <strong>do</strong>is anos ele po<strong>de</strong>ria lhe bater, pois nãosofreria nenhuma pena por isso, já que era a maior autorida<strong>de</strong> <strong>do</strong> distrito on<strong>de</strong> viviam, masagora, que não possuía mais o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia e o apoio <strong>do</strong> parti<strong>do</strong> ela o ameaça com aprisão: “Me toca com um <strong>de</strong><strong>do</strong>, cachorro, que te <strong>de</strong>nuncio! Pensa que eu não tenho coragem<strong>de</strong> aguentá solita o resto da vida? Eu ainda tenho força, não estou cozida pela cachaça comotu.” (1993, p. 13)Ao lhe servir a comida, Fausta não lhe dirige palavras, apenas <strong>de</strong>posita o prato com arefeição em sua frente, vira-lhe as costas e sai resmungan<strong>do</strong> “Este borracho” (1993, . 60),
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