95Certo dia Gue<strong>de</strong>s é preso em flagrante. Maria José busca o apoio <strong>de</strong> Querubina porquesente-se culpada pela situação. A prima reluta para não envolver-se no caso, mas, por fim,resolve ajudá-la, para isso conta com o namora<strong>do</strong> <strong>de</strong> Maria Inês, Hélio Bica, filho <strong>de</strong> JúlioBica. Recém forma<strong>do</strong> em Direito, Hélio ainda não exerce a profissão, Querubina vê nessasituação a possibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> jovem ingressar no mun<strong>do</strong> profissional e ainda adquirir um gran<strong>de</strong>prestígio, pois, “Um moço rico, jovem advoga<strong>do</strong>, baten<strong>do</strong>-se <strong>de</strong>sinteressadamente por ummiserável que roubara <strong>de</strong> seu próprio pai para matar a fome <strong>do</strong>s filhinhos!” (1993, p 81)parecia-lhe uma i<strong>de</strong>ia esplêndida e que a colocaria numa posição superior em relação à prima.Mas, o jovem não aceita a proposta porque é filho <strong>de</strong> Júlio Bica e não quer ficar contra aclasse <strong>do</strong>s fazen<strong>de</strong>iros, também está esperan<strong>do</strong> uma nomeação para promotor ou juizmunicipal.João Gue<strong>de</strong>s é con<strong>de</strong>na<strong>do</strong> a três meses <strong>de</strong> prisão e adapta-se à vida na ca<strong>de</strong>ia por nãoconsi<strong>de</strong>rar uma das piores. Ao ser solto encontra a família com uma alegria acanhada emedrosa. Ele agora está hesitante e angustia<strong>do</strong>, sente que sai <strong>de</strong> uma prisão para outra pior epor isso não <strong>de</strong>monstra alegria em se ver livre, pelo contrário, <strong>de</strong>seja não ter saí<strong>do</strong> dapenitenciária:Homem sem exaltação, sem rebeldia, sem rancor, mas bastante sincero para nãoenfrentar a realida<strong>de</strong> com cinismo, obstinava-se na idéia da pobreza irremediável,pensan<strong>do</strong> unicamente nisto: não tinha nem on<strong>de</strong> cair morto! Não haveria meio <strong>de</strong>voltar pra lá, pra ca<strong>de</strong>ia? (1993, p. 90)Ao fitar a magreza <strong>do</strong>s filhos e o rosto sofri<strong>do</strong> <strong>de</strong> Maria José, ao ver os filhos com fomee quase a morrer por falta <strong>de</strong> recursos financeiros, ele <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r seus apetrechoscampeiros, primeiro o cavalo e <strong>de</strong>pois os arreios para não ven<strong>de</strong>r a máquina <strong>de</strong> costura daesposa. Assim, Gue<strong>de</strong>s corta <strong>de</strong> uma vez seu vínculo com o campo e a vida passada. Apósalguns dias é encontra<strong>do</strong> morto com um tiro na cabeça perto <strong>de</strong> uma sanga próxima da cida<strong>de</strong>.Maria José, esposa <strong>de</strong> João Gue<strong>de</strong>s, é ativa. A obra apresenta-a como uma mulhertrabalha<strong>de</strong>ira. De manhã, enquanto senta para matear com o mari<strong>do</strong>, ela vai dan<strong>do</strong> or<strong>de</strong>ns aosfilhos e acompanha o andamento das ativida<strong>de</strong>s com olhos vigilantes, enquanto Gue<strong>de</strong>smateia <strong>de</strong> cabeça baixa e pensativo. Sempre viveu na cida<strong>de</strong>, mas muda-se para o campoquan<strong>do</strong> se apaixona por João Gue<strong>de</strong>s, um peão <strong>de</strong> estância. Ela aceita se casar com o moçomesmo saben<strong>do</strong> que esse não po<strong>de</strong>rá lhe dar uma vida estável financeiramente, o que nos leva
96a acreditar que se casou por amor, diferentemente da gran<strong>de</strong> maioria das mulheres danarrativa.Quan<strong>do</strong> o mari<strong>do</strong> recebe a visita <strong>de</strong> Júlio Bica ela e os filhos se recolhem, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> oshomens conversarem sozinhos. Após a conversa ela pergunta a Gue<strong>de</strong>s o que o fazen<strong>de</strong>iroquer e ao saber que <strong>de</strong>vem ir embora ela explo<strong>de</strong>, expressa a raiva que sente com relação àclasse <strong>do</strong>s fazen<strong>de</strong>iros: “Gananciosos, quanto mais têm, mais querem!” (1993, p. 22)Ao mudar-se para a cida<strong>de</strong>, Maria José, agora acolhida na casa da prima, vivencia adiferença social e cultural entre as duas famílias, o que a leva a <strong>de</strong>sejar uma vida diferente. O<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> subir na condição social torna-a soberba e a faz esquecer da vida mo<strong>de</strong>sta que omari<strong>do</strong> lhe proporciona: “O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> subir um ou, se possível, vários <strong>de</strong>graus <strong>de</strong> condiçãosocial, o conforto e a fartura que se gozava naquela casa ampla, fizeram-na esquecer a suahumilda<strong>de</strong> e os precários recursos <strong>de</strong> que dispunha.” (1993, p. 50)Com o pouco dinheiro que possui, Gue<strong>de</strong>s aluga uma pequena casa, retirada <strong>do</strong> centro,em um bairro simples <strong>de</strong> Boa Ventura. Maria José não gosta da casa nem <strong>do</strong> local e exige queo proprietário troque as tábuas <strong>do</strong> assoalho, <strong>do</strong> forro e os vidros quebra<strong>do</strong>s. Essa sua atitu<strong>de</strong>lhe ren<strong>de</strong> um elogio <strong>de</strong> Querubina: “Tu ainda és a mesma, Maria José!” (1993,p.51). Aoreceber esse comentário da prima, enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-o como um estímulo, ela faz o mari<strong>do</strong> comprarum novo fogão <strong>de</strong> ferro, uma máquina <strong>de</strong> costurar também nova e cortinas para as portasprincipais da casa.Apesar <strong>de</strong> estar consciente <strong>do</strong> pouco dinheiro que possuem e das condições humil<strong>de</strong>sem que vivem, Maria José não sabe se <strong>de</strong>ve ou não matricular as meninas em um agência <strong>de</strong>corte e costura. Querubina comenta, diante da dúvida da prima, sobre a importância dasmulheres saberem costurar, bordar e coser para o futuro casamento. A prima ainda enfatizaque esses pequenos afazeres auxiliam muito as moças pobres, que po<strong>de</strong>m ajudar com seusserviços, no sustento da família. Maria José gosta da opinião da prima por coincidir com asua, mas a palavra “pobre” utilizada por Querubina, lhe causa certo <strong>de</strong>sconforto: “Maria Josépor um la<strong>do</strong> ficou satisfeita, porque a opinião da prima, uma senhora tão sensata, coincidiaexatamente com a sua, porém, por outro, <strong>do</strong>era-lhe aquele ‘pobre’, que caiu como umagotinha ácida na sua ferida.” (1993, p. 51)
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