97Aos poucos Maria José percebe a falta <strong>de</strong> interesse da prima em auxiliá-la e começa atrabalhar porque nota que a vida está cada vez mais difícil. Gue<strong>de</strong>s vê a mulher emagrecer, orosto murchar com expressões <strong>de</strong> rancor e <strong>de</strong>sesperança, por isso <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> roubar para sustentarsua família e sobreviver na cida<strong>de</strong>. Maria José sabe a maneira como o mari<strong>do</strong> conseguealguns troca<strong>do</strong>s e silencia, não tem forças para reagir contra essa atitu<strong>de</strong>, está fraca e cansadada vida que leva.Quan<strong>do</strong> a filha mais velha, Isabel, também cansada da miséria em que vive, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> sair<strong>de</strong> casa e ir morar com o namora<strong>do</strong>, Maria José se opõe, pe<strong>de</strong>, suplica choran<strong>do</strong> para que nãová. A jovem persiste em sua i<strong>de</strong>ia e as duas mulheres lutam. Isabel <strong>de</strong>rruba a mãe e sai <strong>de</strong> casa<strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>-a caída em um canto a chorar. Para a mãe aquela atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sonra a família que erapobre, mas honrada, até que não fossem <strong>de</strong>scobertos os furtos <strong>de</strong> Gue<strong>de</strong>s. Como vê a<strong>de</strong>gradação financeira e moral <strong>de</strong> sua família, Maria José começa a reconhecer seus erros:“Ela também tinha os seus erros, reconhecia. Sempre fora uma boba, uma ridícula, compretensões a coisas que não estava ao seu alcance.” (1993, p. 65)Maria José <strong>final</strong>mente cai em si quan<strong>do</strong> o mari<strong>do</strong> é preso. Ela recorre à Querubina, poisimagina que é a única pessoa a po<strong>de</strong>r ajudá-la e, pela primeira vez, comenta sobre suasatitu<strong>de</strong>s e afirma seus erros:E o pior é que fui eu a culpada! Eu é que <strong>de</strong>via <strong>de</strong> estar lá on<strong>de</strong> o coita<strong>do</strong> está! Sabia<strong>de</strong> tu<strong>do</strong> e não me importava. Até encorajei o pobre pra essa coisa horrível! Nocomeço sentia vergonha e me<strong>do</strong> que nos <strong>de</strong>scobrissem. Mas <strong>de</strong>pois fui meacostuman<strong>do</strong>. E não era só por costume que eu não dizia nada, não era, te juro. Eratambém porque via aqueles inocentes com fome, esfarrapa<strong>do</strong>s, quase a ponto <strong>de</strong>saírem a pedir esmolas pelas ruas! Que suplício, meu Deus! Que ingratidão! (1993,p. 79)Sem o auxílio da prima, Maria José espera o mari<strong>do</strong> sair da ca<strong>de</strong>ia enquanto costura. Elaagora está seca, esverdinhada, suan<strong>do</strong> <strong>de</strong> noite e com tosse. Durante seus serviços ela pensa:“Esta máquina é o meu mari<strong>do</strong>.” (1993, p. 94), mas com a morte <strong>de</strong> uma das filhas portuberculose a freguesia se ausenta e ela não consegue dinheiro nem para comprar leite, razãopela qual aceita um litro que Querubina lhe manda diariamente.Após a morte <strong>de</strong> Gue<strong>de</strong>s, Maria José segue na luta pela sobrevivência sua e <strong>de</strong> seusfilhos. Querubina penaliza-se ao ver tanto sofrimento, e sente que <strong>de</strong>ve ajudá-la, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> tirar a
98prima daquele casebre horrível, comprar-lhe uma casinha e auxiliá-la to<strong>do</strong> mês, porém, MariaJosé prefere ficar on<strong>de</strong> está e seguir sua luta sozinha, porque não acredita mais na bonda<strong>de</strong> daprima.Maria José é uma mulher diferente das já estudadas. Ela é ativa e expressa o que sente.Enquanto mora no interior, não passa necessida<strong>de</strong>s e o mari<strong>do</strong> tem forças, ela retira-se e nãoouve a conversa <strong>do</strong>s homens, mas quan<strong>do</strong> o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência começa e ela percebe o<strong>de</strong>samparo <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>, começa a impor suas vonta<strong>de</strong>s e toma a frente da situação. Mas,mesmo com essa força <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> ela segue as normas <strong>de</strong> boa conduta da socieda<strong>de</strong>, por issoluta com a filha que <strong>de</strong>seja aban<strong>do</strong>nar a casa e morar com o namora<strong>do</strong> chaman<strong>do</strong>-a <strong>de</strong> “ca<strong>de</strong>laesquentada” (1993, p. 65)Essas atitu<strong>de</strong>s da personagem nos levam a enten<strong>de</strong>r que Maria José torna-se diferente<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à situação <strong>de</strong> miséria em que vive. Ela fala e dá or<strong>de</strong>ns porque vê que o mari<strong>do</strong> está<strong>de</strong>smotiva<strong>do</strong> e não reage, não tem ânimo para tentar uma vida melhor. O mesmo motivo aleva a costurar e adquirir seu próprio dinheiro com negócio próprio. Ela age <strong>de</strong> maneiradiferente das <strong>de</strong>mais personagens femininas por causa da situação miserável em que seencontra, <strong>de</strong>ssa maneira, ela luta para sobreviver e ao mesmo tempo incentiva e quebra certospadrões que viam a mulher como uma serviçal <strong>do</strong> lar.Outro casal que merece <strong>de</strong>staque em Porteira fechada é Querubina e Oscar. Esse casalvive na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Boa Ventura e possuem um nível social bem diferente <strong>de</strong> Maria José eGue<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que as mulheres da cida<strong>de</strong> que conheceram as duas primas quan<strong>do</strong> moças esolteiras comentam: “Vejam só o que é o <strong>de</strong>stino. Hoje, a Querubina é uma senhora rica, <strong>de</strong>posição, da primeira socieda<strong>de</strong>, e a outra, a coitada da Maria José, vive atirada, casada comum peão <strong>de</strong> estância...” (1993, p. 43)Oscar trabalha numa repartição e to<strong>do</strong> o dia vai ao clube da cida<strong>de</strong> jogar e distrai-secom os amigos. É um homem que ganha bem e possui certo prestígio na cida<strong>de</strong>, é leitor epertence à camada social mais alta <strong>de</strong> Boa Ventura. Sua esposa vive em uma casa espaçosa,bonita e florida. Possui serviçais para a realização <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong>méstico. Em muitosmomentos ela <strong>do</strong>mina o mari<strong>do</strong>, fala-lhe com energia e <strong>de</strong> cabeça erguida, a fitar-lhe os olhoscom <strong>de</strong>terminação, o mari<strong>do</strong>, por sua vez, respon<strong>de</strong> frouxamente. O casal leva uma vidatranqüila, Querubina senta-se em sua ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> embalo, acaricia Sultão, seu gato <strong>de</strong> luxo, e lê
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