25Na venda chegavam tipos <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os naipes. E eu, quan<strong>do</strong> não estava lá pela minhaestância <strong>de</strong> mentira ou não andava camperean<strong>do</strong> <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s, monta<strong>do</strong> no meupetiço <strong>do</strong>radilho, estava lá na venda, bisbilhotan<strong>do</strong> os fregueses que chegavam, cadaum com seu jeito, alguns estranhos, que iam <strong>de</strong> passagem e chegavam para tomarum trago, enquanto outros eram conheci<strong>do</strong>s, fregueses <strong>de</strong> livreta. Mas bem que àsvezes apareciam uns tipos raros e meus olhos luziam indaga<strong>do</strong>res e sorrateiros,louquinhos por <strong>de</strong>scobrir as estranhezas <strong>do</strong> cabra. (MARTINS, 1990, p. 20)O autor também enfatiza que seus temas advêm das inúmeras histórias e causosconta<strong>do</strong>s pelo pai e pelos peões que chegavam à venda <strong>de</strong> seu Bilo:Juntava os causos já ouvi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> banditismo, conta<strong>do</strong>s pelo meu pai ou pelos peões,no galpão. Juntava todas essas histórias e <strong>de</strong> várias fazia uma, dramatizan<strong>do</strong>-a,solito, usan<strong>do</strong> como instrumento para armar a imaginação os meus cavalinhos-<strong>de</strong>pau,o ga<strong>do</strong> <strong>de</strong> osso ou os ro<strong>de</strong>ios <strong>de</strong> pedrinhas bonitas. (MARTINS, 1990, p. 21)E conclui que suas vivências <strong>de</strong> infância e a<strong>do</strong>lescência na campanha <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong>Sul, mais propriamente na localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cerro <strong>do</strong> Marco, distrito <strong>de</strong> Quaraí, influenciaram nacapacida<strong>de</strong> criativa <strong>de</strong> elaborar ficção literária:[...] muito antes <strong>de</strong> repensar literariamente a vida campeira, eu a dramatizei no pêloa-pêlo<strong>do</strong>s meus brinque<strong>do</strong>s <strong>de</strong> guri <strong>de</strong> campanha. Hoje não tenho dúvidas <strong>de</strong> queaqueles exercícios <strong>de</strong> imaginação, continua<strong>do</strong>s durante anos tiveram gran<strong>de</strong>influência no meu gosto pela ficção. (MARTINS, 1990, p. 21)Como um estudioso da psicanálise, Cyro consi<strong>de</strong>ra a vivência um fator fundamentalpara a criação literária acreditan<strong>do</strong> que “as que calam e dão romance são as da infância ea<strong>do</strong>lescência.” (1990, p. 117) e que, no caso <strong>do</strong>s escritores, as impressões vivenciadas no diaa-diasão as bases essenciais para <strong>de</strong>spertar emoções que mais tar<strong>de</strong> serão expostas e melhortrabalhadas nas obras literárias:Sem muitos ro<strong>de</strong>ios nem teorias, direi que arte e vida estão sempre irmanadas... Nãoque o escritor vá reproduzir nos contos e romances sua própria vida. O escritor, omais das vezes, projeta nas suas páginas <strong>de</strong> ficção, quase sempre sem se aperceber,emoções que suas vivências lhe <strong>de</strong>spertaram. (MARTINS, 1990, p. 105)Léa Masina apresenta Cyro Martins como um homem constantemente preocupa<strong>do</strong> coma questão social e com a verda<strong>de</strong>, para ela o autor era “homem <strong>de</strong> trato lhano, generoso, <strong>de</strong>gestos largos e riso fácil, que escrevia sem <strong>de</strong>magogia, manten<strong>do</strong>-se fiel a uma literaturarealista e crítica”. (1999, p.137)
26Essa mesma opinião tem o autor sobre si mesmo. Ao relatar o processo <strong>de</strong> criação darealista trilogia <strong>do</strong> gaúcho a pé, expõe sutilmente o olhar sensível que possuía em relação àsmisérias alheias e a preocupação que tinha em expor o mais próximo possível da realida<strong>de</strong> ocotidiano <strong>do</strong> homem pobre <strong>do</strong> campo:Os pobres da campanha não passavam fome. Tomavam leite e comiam carne, arroz,feijão preto, abóbora nascida guacha ao re<strong>do</strong>r <strong>do</strong> rancho, sim, guacha, sem mãe. [...]Quase to<strong>do</strong>s os posteiros, os que tinham como obrigação <strong>de</strong>clarada cuidar o fun<strong>do</strong>das estâncias, aqueles plantavam uma lavourinha <strong>de</strong> milho, batata-<strong>do</strong>ce, melancia eabóbora. E o patrão sempre lhe cedia uma ou duas vacas <strong>de</strong> leite. Mas, não restamdúvidas, eram marginais, porque não tinham a menor chance <strong>de</strong> melhorar <strong>de</strong> nívelsocial e econômico. Em síntese, senti minha própria gente, e eu mesmo, muito pertoda condição <strong>de</strong> marginal, não no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>linqüente, mas no <strong>de</strong> impossibilita<strong>do</strong>,por escassez <strong>de</strong> recursos, <strong>de</strong> participar da socieda<strong>de</strong> que vive em torno. (MARTINS,1990, p. 116)Através <strong>de</strong> suas obras, Cyro impressiona por ser um gran<strong>de</strong> observa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> homem, danatureza humana, numa linguagem clara “Cyro escrevia direto e simples como falava”(PECHANSKY, 1999, p. 53), dan<strong>do</strong> a impressão <strong>de</strong> que tentava facilitar para que o enre<strong>do</strong>permanecesse na memória <strong>do</strong> leitor. A maior preocupação <strong>de</strong>sse escritor era enten<strong>de</strong>r o serhumano, talvez por isso suas personagens apresentam uma certa profundida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentimentosque, para Liana Timm (1999, p. 63) <strong>de</strong>rivam <strong>do</strong> gran<strong>de</strong> conhecimento <strong>do</strong> autor pois “além <strong>de</strong>escritor, era um sabe<strong>do</strong>r na prática, das necessida<strong>de</strong>s, possibilida<strong>de</strong>s e dificulda<strong>de</strong>s humanas”.Nessa mesma linha, Décio Freitas (1999, p. 22) vai além e situa a importância <strong>de</strong> CyroMartins pela crítica que faz à história <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul:Curiosamente, são os escritores que fazem, na literatura, a crítica da história <strong>do</strong> RioGran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul. São as visões mais lúcidas, as <strong>do</strong>s escritores. Um <strong>de</strong>les foiindubitavelmente o Cyro. Eu ficava pensan<strong>do</strong> naquele homem tão suave, como eleera e, no entanto, com tanta força em sua crítica, <strong>de</strong>vasta<strong>do</strong>ra, sobretu<strong>do</strong> corajosa.O próprio autor procura <strong>de</strong>finir-se ao comentar sobre o importante papel que o escritor<strong>de</strong>sempenha para a socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> está inseri<strong>do</strong>. Para isso, o autor observa que é precisoanalisar e transmitir às pessoas, através da escrita, algumas das experiências subjetivas vividaspara que essas possam enten<strong>de</strong>r o mun<strong>do</strong> em que vivem e melhorá-lo, tornan<strong>do</strong>-o maishumano:É assim que vemos o artista, o escritor, como órgão social, cuja função precípuaconsiste em elaborar e transmitir, esteticamente, experiências subjetivas eimpressões sensoriais provindas <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> exterior, mas transfiguradas pelaprojeção. (1999, p. 195)
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