Livro 03 final-EVALDO.indd - Ministério do Esporte

Nasce o moderno marketing esportivo
P
ode-se afi rmar que a história do marketing
esportivo no movimento olímpico
se divide em antes e depois de
Juan Antônio Samaranch, o espanhol
que em julho de 1980 assumiu a presidência do
Comitê Olímpico Internacional (COI). Até aquele
momento, a comercialização dos patrocínios e licenciamentos
fi cava sob responsabilidade dos
comitês organizadores de cada Olimpíada. Essa
descentralização enfraquecia a estratégia de captação
de receitas, pois freqüentemente os acordos
eram realizados com anunciantes locais, que não
tinham o mesmo poder de fogo dos conglomerados
globais. Samaranch tinha planos para valorizar
os Jogos Olímpicos e transformar a marca dos cinco
anéis em uma das mais poderosas do mundo.
Mas os desafi os eram enormes. Quando chegou
à presidência do COI, o olimpismo passava por
uma de suas piores crises. Nos Jogos de Munique
1972, o espírito olímpico foi golpeado no episódio
do seqüestro e morte de atletas israelenses. Quatro
anos mais tarde, as Olimpíadas de Montreal
produziram um dos maiores prejuízos fi nanceiros
de que se tem notícia. Inicialmente orçados em
US$ 310 milhões, os Jogos do Canadá fecharam
o balanço com um rombo de mais de um bilhão
de dólares. O último centavo da dívida só foi pago
30 anos depois da pira apagada. Além do prejuízo,
Montreal assistiu ao primeiro boicote olímpico
da história. Vinte e duas nações africanas deixaram
os Jogos por discordarem da atitude da
Nova Zelândia em disputar partidas de rúgbi na
África do Sul, que na época aplicava um regime
segregacionista aos negros. Mas o pior ainda estava
por vir. Os Jogos de Moscou 1980 fi caram
marcados pelo maior boicote olímpico da história.
Estados Unidos, Inglaterra e mais 63 países não
compareceram às Olimpíadas da União Soviética.
O ato foi um protesto à invasão do país-sede ao
Afeganistão, ocorrida um ano antes. Quatro anos
depois, em Los Angeles, os soviéticos, acompanhados
de 13 nações, não foram à Olimpíada.
Os interesses políticos ameaçavam implodir os
sagrados ideais do movimento olímpico. No meio
deste turbilhão de incertezas, Samaranch começou
a traçar o plano que iria mudar de vez a história
dos Jogos Olímpicos. O primeiro passo foi
73
o desenvolvimento de um novo conceito de comercialização
dos direitos de tevê. Antes de Samaranch,
COI e comitês organizadores travavam
verdadeiras batalhas pela venda das imagens. A
falta de consenso acabava favorecendo as tevês,
que pagavam menos do que os direitos realmente
valiam. A rede americana ABC foi a que melhor
aproveitou a brecha da discordância. Ela pagou
pouco pela exclusividade dos direitos dos Jogos
Olímpicos de Verão da Cidade do México 1968,
Munique 1972, Montreal 1976 e Los Angeles 1984
e das Olimpíadas de Inverno de Innsbruck 1976,
Lake Placid 1980 e Sarajevo 1984. A exceção foram
os Jogos de Moscou 1980, transmitidos pela
rival NBC, já que a concorrente não se interessou
por um evento esvaziado pelo boicote. Financiadas
pelo maior mercado do mundo, as emissoras
dos Estados Unidos pagavam somas superiores
às oferecidas pelas tevês européias e asiáticas.
O golpe de mestre de Samaranch foi convencer
os comitês organizadores a ceder ao COI a exclusividade
da venda dos direitos. Também estimulou
uma concorrência entre as redes. Mas não
se sabia como as tevês reagiriam à proposta. As
respostas para as dúvidas de Samaranch começaram
a se delinear na tarde de 23 de janeiro
de 1984. Nesta data foi marcada a abertura dos
envelopes da primeira concorrência televisiva da
nova era olímpica. Em jogo estava a exclusividade
americana dos direitos de transmissão dos
Jogos de Inverno de 1988, em Calgary, no Canadá.
Sob os olhares atentos e nervosos dos dirigentes
do comitê, os representantes das redes
ABC, NBC e CBS apresentaram seus envelopes
com as ofertas que fariam. Venceu a ABC, com
uma inimaginável proposta: US$ 309 milhões. Foi
a quantia mais alta paga por um único evento –
esportivo ou não – na história da tevê até então,
como descreveu o consultor e ex-diretor de marketing
do COI Michael Payne em seu livro “A Virada
Olímpica – Como os Jogos Olímpicos tornaram-se
a marca mais valorizada do mundo” (Casa
da Palavra). Antes de Calgary 1988, o recorde na
venda pertencia à própria ABC, que pagara US$
225 milhões pela exclusividade de Los Angeles
1984. Após aquela tarde, os Jogos nunca mais
seriam os mesmos. Para Pequim 2008 os direitos
de transmissão atingiram US$ 2,5 bilhões.